NA MINHA VELHICE
Eurídice Hespanhol
Na minha velhice
quero descansar nas
rugas do meu rosto
pássaro triste,
indefeso, exposto
e o vento a me entregar
o tempo,
suspirando asas.
Adormecer montanhas
sem esperar por nada.
Ser algo assim
sem explicar o medo
que já morre antes.
Na minha velhice
quero o mar de pedra,
a prata d’água,
a maré infinita.
Sobre as montanhas
o céu de estrelas,
a noite nua
sussurrando amores.
Quero viver um pouco
mais e ainda
para enxergar os
horizontes de mim mesma.
Do livro Jabuticabas –
Oficina Editores - 2012
MINHA MORTE
Eurídice Hespanhol
Se eu morrer amanhã,
não quero funeral,
como é janeiro
quero um pré-carnaval.
Cubram-me de confetes
no cortejo,
que seja mínimo,
podem rolar
serpentinas.
Qualquer música,
desde que brasileira.
Se teimarem algumas
lágrimas
no rosto dos queridos,
ficarão lindas,
misturadas ao brilho
das purpurinas...
Alguém por favor,
pode trazer um poema?
que seja poema de um
amigo.
Quem desejar:
pétalas de flores,
também adoro...
Não tenho preferência
por nenhuma.
Me maquiem, pelo menos
nesse dia
quero parecer chique,
os vermes apreciam um
defunto
de boa aparência...
Mas se eu morrer
amanhã,
Paciência...
Continuem suas poesias,
nada de salamaleques.
E não aceitem esses
pedidos
ou qualquer vontade
ridícula
de quem pensa em
morte...
ANJO PROIBIDO
Eurídice Hespanhol
eu poderia abrir teus
olhos
te entregar a guerra
desencantar teus sonhos
esmagar tuas entranhas
bem assim no meu
silêncio
desprendida de toda
censura vã...
imaginar que é nosso
este mundo à parte
que no meio da arte
existe o tempo de ser
errado...
te querer
te encontrar no meio do
poema
te ofertar o sentimento
alucinado
como se pudesses ser
amado
sem ver cair em meus
ombros
toda pena...
se caísse o véu no meio
do oceano
e te entregasse por
engano
todo corpo em desalento
se aportasse em meu
desejo
toda sede do teu beijo
bebesse em teus versos
todo sonho de ser
meu...
se poesia fosse o rumo
de quem ama
neste interdito modo de
quem chama
apagaria este poema
imaculado
colocaria fogo em nossa
cama
esqueceria a posição de
dama
e viveria somente de
pecado...
Do livro Jabuticabas –
Oficina Editores – 2012
ACEITAÇÃO
Eurídice Hespanhol
Eu aceito meus
cinquenta anos
no auge dos mantras
rebeldes
da minha juventude.
Eu aceito meu rosto em
desalinho,
Os olhos secos após os
tempos de lágrimas...
Eu receberei nada menos
que a pausa hormonal da
idade,
para eleger-me
eternamente fértil.
Fértil de luas,
de sóis,
de ventos, de
intuições...
E me revelo repleta de
cabelos brancos,
tingidos e falsos.
Eu me adoro imensamente
mulher,
sem sobressaltos de
incertezas,
Me respeito dona de
todos os meus erros,
grávida de amor,
de sonho, de alegria.
Eu me revelo eterna,
para envelhecer
nos braços líricos
de toda poesia!
Do livro Jabuticabas-
Oficina Editores – 2012
ALQUIMIA
Eurídice Hespanhol
Meus silêncios,
levaram-te meus gritos
meus intensos,
chegaram a tua
insônia...
Minha insolência
feminina,
transmutou teu hálito,
tua alma,
trouxe-me teu cheiro, teu
desejo,
tua mágica oferenda...
Minhas alquimias,
palavras de
bem-querências,
subverteram certezas,
viraram mesas,
desfizeram camas.
Derrubaram medos e
tabus.
Minha vontade é nua,
Límpida,
Clara.
Sou raios de sol à tua
espera...
TRIGÉSIMA PRIMEIRA CANÇÃO
Eurídice Hespanhol
Sob estrelas,
o fogo da noite em
festa.
O acampamento a reluzir
paixões,
as rodas das saias em
vermelho cetim,
passos de alegria
dançando em mim.
Tua promessa em vivos
olhares,
o destino em carruagem
de sonhos.
Tua palavra ao som dos
cantos,
em flamencos
sapateadores,
cantares!!
O mais distante passo a
estreitar distâncias,
ipês em flor de pétalas
brancas
ladeando a estrada...
Todas as estrelas em
cadentes brilhos,
derramam sobre nós
as chamas dos luares.
E a esperar a aurora,
a noite rompe os
trilhos
e trocamos nosso sangue
no linho dos altares!
HUMANO
Eurídice Hespanhol
Não escrevo mais
poemas,
para o inferno todos os
versos!
Não escrevo mais
lirismos,
somente frases
matematicamente compostas
um verbo apenas em
oração mais que simples...
Serei imperativos
rasos,
profundidade na ponta
do nariz...
Não amarei os sóis, os
ventos que sempre amei.
Não olharei nada,
nada à minha volta.
Que passe o mundo,
como se fora sempre em
branco.
Não me importo mais com
o outro:
se chora, se sofre, se
já recebeu flores.
Nunca mais o palhaço a
rir de si mesmo.
Nunca mais dádivas de
amor
a receber espantos de
quem não conhece
a não hipocrisia.
Não mais o sorriso
inteiro,
a despontar da alma
ingênua
de quem nunca deixa de
acreditar
na criança adormecida
em todos os corpos.
Serei homem,
apenas homem,
bicho humano
que se esconde
atrás
de si mesmo...
(Poema vencedor do I
Máximus Pemiun de Poesia Francisco Igreja)
FELICIDADE
Eurídice Hespanhol
Felicidade é um amor à vista,
respiração com suspiros
num gosto de boca seca.
Felicidade é beijo de
filho,
laços de fita no
cabelo,
saias de roda na canção
ciranda...
Felicidade é por de sol
vermelho,
pardal ciscando o chão
na porta de casa...
Felicidade é amar meio
sem freios,
conceber-se em estado
de devaneios,
com sabor de gente
querida
comendo doces de mãe...
Felicidade é sonhar que
na verdade,
tudo pode, sem idade,
sem tabus, preconceito.
Felicidade é ser
arco-íris na chuva,
ser luz na noite fria,
preencher a hora vazia
com sentimentos
eternos.
UMA CANJA
Eurídice Hespanhol
Nas mãos o cheiro de
cebola,
disperso na pressa do
poema...
Cenoura, arroz, frango
e batata,
algo de tempero,
poeta no fogão, então:
uma canja!
Cozinho muito bem,
quando quero!
Já casei, tive os
filhos, plantei árvores.
Versar é meu ofício
predileto.
Quisera poder viver de
versos.
Ilusão...
Mesmo fazendo canja,
suflês,
bolos e cozinhando,
faria versos de sal e
açúcar,
seria doce para um bem
amado,
num imenso poema
açucarado...
No papel: gosto de
pudim de amêndoa,
cocada e beijinho de
coco,
calda de chocolate,
sorvete de nata.
Versos de toucinho do
céu!
Sonetos de colchão de
noiva!
Liberdade de goiaba em
calda,
compota de mamão verde,
figo cristalizado,
doce de abóbora da
minha avó!
Balas de guaco com
sabor de criança intensa...
Sou assim:
um verso de infância,
mãe,
cozinheira perdida em
poemas,
uma canja, nada mais...
UM NÉCTAR DE INFÂNCIA
Eurídice Hespanhol
Carambolas, nêsperas
maduras,
araçás de amanhecer
sabiás,
figos com gosto de
encanto,
amoras que acordam o bem-te-vi:
estou aqui, estou aqui,
estou aqui!
Paineira em flor no
portão,
ipê sangrando em rochas
pétalas contidas.
Jasmim do cabo em
perfume,
dálias antigas,
perpetuando vidas...
Meus olhos entre o
pêssego e o jambo,
entre a montanha de
pedra e o monte de palha de arroz.
Eu, meu pai, minha mãe,
sem depois...
O café ao sol, na lona
tingida de nódoas antigas...
A terra cansada, a
várzea inundada
e os grãos de nós
dois...
Afável momento em leito
de pedras.
Pés de castanheiras,
castanhas encobertas
por roupas espinhentas,
cheiro de alho
adiantando o almoço,
bananas assando na
chapa do fogão à lenha
e uma menina de olhos
abertos dizendo ao tempo:
venha,
venha,
venha!
FLORES DE CAPIM
Eurídice Hespanhol
Minha santa paz
desliza,
na intensidade de um
grão de areia.
Sou algo em profusão de
sentidos,
multiplicando imagens e
versos sem futuro...
Na mesma ânsia do meu
caramboleiro,
repleto de flores e
frutos ainda fetos,
inauguro esperas para
as chuvas
e para os sóis de cada
dia.
Aguço ouvidos para
chegar perto
da sinfonia entoada
pelos sanhaços,
agasalhando a fome na
doação da goiabeira...
Minha fênix de frutos
maduros,
o sabugueiro em
eternidade de mudas
e tudo, desde a hiléia
até a icsória,
fazem deste verão, um
prenúncio
de outono prematuro...
Na poesia dos ventos,
apaga os tempos e
inventa um poema de neblina,
entre a névoa da
montanha
e os caprichos do mar
do Recreio...
Minhas flores de capim,
dançam atrás de mim...
A tuia guarda a
manjedoura dos bicos de lacre,
pequenos anjos sem
amparo,
padecendo a ignorância
das gaiolas...
Minhas flores de capim,
secam,
além de mim...
Eurídice Hespanhol... magnífica, sempre!
ResponderExcluirDamáris Lopes
Eurídice, é muito bom lê-la em livros, vê-la nos palcos e, principalmente, tê-la como amiga! Sou seu fã de carteirinha. Parabéns pelos poemas aqui selecionados. E ao Naldo, pela iniciativa de publicá-los. Beijos do Jorge Ventura.
ResponderExcluirEurídice,sempre majestosa com seus versos magníficos!
ResponderExcluirBeijo&Poesia
Queridos amigos/poetas, melhor que tudo é ter ao meu lado pessoas como vocês. A poesia, nunca vem sozinha, traz-nos os afins, os semelhantes de destino poético e luta compartilhada pelo verso nosso de cada dia. Vale viver para conhecer pessoas como vocês todos. Beijos de poesia, sempre! Obrigada!
ResponderExcluirEurídice, sua poesia sempre foi assim, cheia de lirismo, mas principalmente de ritmo, de contagiante ritmo, que faz com que as palavras adquiram forma, que faz concreto o abstrato da vida. Eu que te vi menina ensaiando os primeiros versos sempre fico maravilhado ao ler ou ouvir suas poesias. Alma em festa! Um grande abraço do amigo de sempre, José Antonio Saraiva
ResponderExcluirAdoro ler e ouvir os poemas de Eurídice. Doces, fortes, melodiosos. Parabéns, querida. Parabéns ao Naldo, pelo espaço e oportunidade de apreciarmos os poetas contemporâneos de grande qualidade.
ResponderExcluirJosé Antonio,é muito bom ter amigo como você,que nos conhece desde a infância. Um amigo que alé de poeta é Madalenense,não sabe a importância que o teu comentário tem para minha lida lírica.Obrigada e muito sucesso,abraços para sua família maravilhosa, sua musa e os filhos escritores.
ResponderExcluirKátia,é sempre muito bom receber palavras de uma poetisa como você, obrigada querida, bjs!