quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

MARIA DO CARMO BOMFIM

VISAGE
Maria do Carmo Bomfim
                                               
Me desnudei
diante do poema-espelho     
e, à medida que fui
me desvendando,
o poema foi se formando
independente da minha vontade.
Tirei mágoas daqui, desilusões dali,
uma cicatriz lá, outra cá.
No peito, não tem jeito:
estamos sempre por um triz.
A vida, se vivida,
traz sofrimentos, lamentos.
Aceitá-los é a palavra mágica.
Ao me ver assim,
dei lugar à alegria.
Deixei de ser mais um
e me fiz poesia.

PASSADO
Maria do Carmo Bomfim

Eu era tão menina
para entender teu sentimento
o quanto você se deu
e não percebi
nem por um momento.

Eu era tão garota
para as tuas artimanhas
que me enredavam
fazendo de mim uma sombra
da mulher que um dia eu seria.

Eu sou hoje
esta mulher
e não sabia.

MISSÃO
Maria do Carmo Bomfim

Se eu puder tocar
no coração de uma pessoa
já terei marcado
o meu destino de poeta

Não quero me exibir
através das palavras

Ser uma operária
do som e da rima
é meu ofício, minha sina.

E se eu puder provocar
numa só pessoa
uma lágrima
ou um riso
mínimas festas
já terei vivido
o meu destino de poeta.

ILUSÃO
Maria do Carmo Bomfim

Tire a máscara:
quero ver teu rosto
sentir teu gosto,
Pierrot.

Me deixa limpar
esta lágrima,
chega de mágoa, de farsa,
vamos viver a verdade
e curtir a fantasia.

Sou tua,
só tua, Colombina.

GRITO
Maria do Carmo Bomfim

O que não sai no verso,
sai no traço.
O que não consigo dizer,
a pintura dá o tom.
Se não der ainda,
eu canto.
O que eu não posso é ficar
sufocada, sem voz,
sem nada
calada.

EUSEMVOCÊ.COM
Maria do Carmo Bomfim

Enquanto eu não dedicar a você
este último poema,
não haverá ponto final
nesta história quase esquecida.
Viajei ao passado e o desencanto
de não torná-lo presente
foi constatado de vez:
você sequer lembrou meu nome
e quer ver o meu perfil no face.
Pra quê, se não fiquei
na sua memória afetiva
esvaziada e exaurida?
Por que, se só eu tenho
você na lembrança?
De que vale a minha procura,
se quem parecia tão rico se empobreceu?
De tudo que vivemos,
só resta eu.

CRÔNICA DA NOITE
Maria do Carmo Bomfim

Poeta maldito,
proscrito dos livros.
banido dos saraus,
dos shows, dos chás.
Fora dos salões,
fiel aos bares sórdidos,
onde cospe os seus versos
nas caras dos bêbados,
sôfregos e sós.
Ouve risos, choros
e depois em silêncio
passa o chapéu e
com esse troco afunda de vez
na mais profunda solidão.

CONTRASTES EM COPACABANA
Maria do Carmo Bomfim

Que seres somos nós?
Humanos ou robôs?
Andamos pelas ruas,
apressados, assustados
correndo não sabemos de quê.
Em cada esquina
há o que se ver.

O garoto malabarista
maneja no ar,
com maestria,
bolas verdes, azuis, vermelhas.
Ninguém nota,
nem param por ele.

O sinal abre
e quase o atropelam.
Os motoristas seguem
de olhar reto, sem vida,
escondidos no insulfilm
dos seus medos.

BICHO
Maria do Carmo Bomfim

Não quero saber do passado,
nada de olhar para trás.
Estou nascendo hoje,
saindo do ovo,
quebrando a casca,
botando a cabeça
e o coração para fora.
Daqui a pouco vou andar.
Eu quero é viver,
e a vida começa agora.
  
ALAGOAS
Maria do Carmo Bomfim

Para o meu tio Durval

Quero ficar em Penedo
navegar no São Francisco
onde ficaram as lembranças
do meu pai
Comer jacaré
tucunaré
piaba mussum
 castanha de caju
feijão verde gerimum
Fazer moringa de barro
brincar com bruxa de pano
À tarde dar adeus
aos pescadores
que vão de rio à dentro
Aguardar o retorno
barcos cheios de frutos
(O velho Chico é generoso)
deitada na rede
tomando água de coco.


sábado, 23 de fevereiro de 2013

BELVEDERE BRUNO


A PORTA
Belvedere Bruno

A porta fechou.
Inesperadamente.

Ficou um cheiro de jasmim,
e a lembrança suave das palavras
sempre tecidas em ternuras.

No porta-retrato, aquela alegria serena.

Tudo permanece
como num quadro de memória.
Só ele não está mais aqui.

QUARTA-FEIRA
Belvedere Bruno

Caí de quatro
ao saber
que, de fato,
acabou
nosso romance,
que sempre esteve
fadado ao fracasso...

Meus olhos
não queriam enxergar.
Só viam lantejoulas,
vidrilhos , paetês
e o som era sempre
de carnaval.

Na verdade, sempre foram
cinzas de quarta-feira.

VOOS
Belvedere Bruno

Um bem-te-vi nesta manhã
não cantou.
O sol se escondeu.
À noite, uma estrela parecia brilhar,
mas logo se esquivou.

Risos desapareceram.

Um silêncio imponente
ocupou o espaço onde antes
habitava um menino
que voou.

Tragam terços,
hai-cais, óleo ungido,
cantos de corais.

E Paz.

ROSAS PÁLIDAS
Belvedere Bruno

Retirei do buquê
a rosa pálida.
Nada queria
que me lembrasse
tristezas, nem
frustrações
em cadeia.
Refiz o buquê,
deixando
apenas os botões.
Decidi aguardar
o florescer.

RECOLHIMENTOS
Belvedere Bruno

por tempo
indeterminado
recolho
as alegrias
dou férias
aos meus sorrisos
e me entrego
aberta
às tristezas
de minhas perdas
sangria inútil

SUICÍDIO
Belvedere Bruno

hoje senti vontade
de matar a outra
que existe em mim
ser uma cansa
imagine duas
penso seriamente
em matar a segunda
e ficar apenas
comigo

PORTAS ABERTAS
Belvedere Bruno

Portas abertas...
A bem da verdade,
nunca uso trancas.

Quantas vezes
me abaixo, catando
mil e tantos cacos.

Não me despedaço!

Apenas proíbo
que tons ocres
decorem meus dias.

PSIU!
Belvedere Bruno

Silêncio!
Há vozes que se retraem
com medo da vida...
Sofrências que isolam,
num arrastar de correntes,
lágrimas em ponto-de-cruz...

Coroas de espinho,
enfileiradas para a via crucis.

Por que sofro,
se nada tenho com isso?

SOMBRAS DE NATAL
Belvedere Bruno

Tâmaras, damascos e passas
sobre a mesa me trazem
delicada imagem de papai.
Tonalidade, textura e o arranjo cuidadoso
dão perfeição a um surpreendente quadro de saudade

FICA
Belvedere Bruno

Peço que não vás.
Fica mais um pouquinho.
Como passarei os dias
sem ouvir teu riso e sem fitar
o verde- musgo de teus olhos?

Peço que não vás.
Há um chamado do mar, do sol,
das flores, (sobretudo das azaleias),
pedindo que fiques.

Por isso, não vás!
Diz-me que nada do que falam é verdade,
e que nunca houve prenúncios de partidas...

UM POEMA SIMPLES
Belvedere Bruno

Amanhece. Debruçada
à janela, vejo o movimento
dos pescadores.

Há contagiante energia.
A monotonia, se passa,
não encontra onde estacionar.

Por alguns minutos,
sonho pertencer
a tão vibrante universo.

Integro-me, desatando os nós
que me prendiam
à opacidade dos meus dias.


Biografía:

Belvedere Bruno nasceu no dia 17 de outubro, em Niterói/RJ, onde reside.

Cedo despertou para as letras, fato que deve ao incentivo de seu pai, que sempre presenteou os filhos com livros, além de ser ele um ávido leitor, de quem herdou tais características.


quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

FLÁVIA CÔRTES



PROVOCAÇÕES
Flávia Côrtes

O olhar trazia uma afirmativa
que me isentava da resposta.

O que eu lia nos teus olhos
me fazia baixar os meus.

Eu que sempre soube sustentar olhares.

A recomendação
era seguir pelo caminho do meio
para não perder o equilíbrio.

Logo a mim,
a quem encantam extremos.

Tinha uma lua amarela no céu
e a tua lembrança
me provocava
verso.

Não era para te provocar
mas te saber provocado
sempre me deixa
provocante.

Se isso não fosse um poema
e eu estivesse sob os teus olhos,
provavelmente,
não diria tanto.

Mas, como páginas brancas
não ruborizam,
eu verso.

DOIS EM CENA
Flávia Côrtes

Não, eu não me preocupo que seja para sempre.
Se tiver mesmo que colocar advérbio
nesse verbo com som de horizonte,
que seja de intensidade
e não de tempo.

Prefiro que me queira.
Todo dia,
de novo
e novamente.

Da mesma forma
ou diferente.

Mas que não me queira
mais ou menos,
meio por acaso,
meio sem querer.

Que me queira muito.
E que me queira bem.

Não, eu não procuro um amor de cinema.
Não acho que amores combinem com roteiros.
Mas tampouco me encantam
essas modernas paixões em minissérie.

Prefiro que me faça
encantadora
e encantada.

Que dispense palco e ribalta.
Em cena, só querer.

Ao vivo.
Em arena plena de nós dois.

ESCOLHAS
Flávia Côrtes

Tá bom, você precisa.
Decidir, escolher, optar, resolver.
O dia começa, e você precisa.
Atender aos pedidos!

Do filho,
do marido,
da mãe,
do chefe,
da empregada,
do médico,
do professor,
do dentista.

O dia corre e você tem.
Tem que fazer, tem que saber, tem que poder.

A noite chega e você precisa.
Precisa ouvir, discutir, saber.

Porque o certo, o correto, o direito,
é você ser essa pessoa
eficiente, organizada, decidida,
informada, bem vestida, articulada
e antenada!
Por que
seus filhos,
seu marido,
seu trabalho,
seus pais,
seus amigos
esperam.
E eles
precisam de você.
Mas, hoje, só um pouquinho,
antes que o Hoje acabe,
pare e pense:
Quem precisa de quem?
Precisam de você?
Ou você precisa que precisem de você?
Quem precisa do que?
Seu filho?
Precisa que você saiba
ou que você sinta?
Seu marido?
Precisa que você faça
ou que você esteja?
Sua mãe?
Precisa que você ligue
ou que você escute?
Seu trabalho?
Precisa que você corra
ou que você faça?
E você?
Precisa do quê?
Precisa de quem?
Então, hoje, só um pouquinho,
antes que o Hoje acabe,
escolha ouvir a si mesma.
Decida olhar para o outro.
Escute o que não foi pedido.
A palavra que não foi dita
e grita.
Veja o que não foi mostrado.
O gesto que não foi feito
e pede.
Hoje, só um pouquinho,
antes que o Hoje acabe,
sinta.
Desfaça,
não faça.
Desorganize
ou não organize.
Por dentro ou por fora.
Permita.
O nome do Hoje é presente.
Isso não é por acaso.

DESCOBRE-ME
Flávia Côrtes

Deitei-me em palavra
Desnuda
Em página branca
E esperei que me lesse

Vagarosamente teu olhar
Percorre
Explora

Como dedos quentes
Entre linhas
Fendas

Sobre os versos
Sussurras

Sob os versos
Suspiro

Deitei-me em palavra
Aberta e exposta
Sob teu olhar poeta

Delicadamente
Sem palavras
Respiração entrecortada

Descobre-me!

O SOM DO POEMA
Flávia Côrtes

Imaginas que o som do poema
vibra apenas se o dizes?

Pensas que o som do poema
ecoa apenas no teu pensamento?

O poema crepita e pulsa
alinhado com a tua alma.

E te equipa como a um morcego.
Sintoniza o teu vôo cego.

Então, encosta teu ouvido aborígene
nesta folha-solo
e percebe o mundo ancestral
que o poema te traz.

Fecha os olhos.
Sente o sussurro
suave ou forte do poema
ecoando nas membranas
do teu pensamento.

Abre a mente.
Percebe que o poema
sintoniza a tua frequência
com o timbre lírico do mundo
que vibra alheio a tua ocupada vida.

E não te preocupas com a racional certeza
de que o som não se propaga no vácuo.

Ainda que tenhas tido o meticuloso cuidado
de lacrar hermeticamente a tua alma,
o som do poema traz dentro de si
sabedoria de Kabbalah.

É por isso que, ainda que tenhas te perdido de ti,
o som do poema ainda sabe o caminho.
E te ecoa
em mágica viagem da Palavra.

Escuta.

AMARELINHAS
Flávia Côrtes

A laranja no copo de guaraná era amarela
e sorria para mim.

Como amarela era a flor
que imitava um peixe
no arranjo em frente à mesa.

E amarelo o sorvete de damasco
que refrescava o jardim
de amarelas Alamandas.

As páginas do meu Quintana
eram claras gemadas que eu folheava
na tarde quase quente.

Eu nunca gostei de amarelos.
Quando fortes, escandalosos.
Quando tênues, insossos.

E, talvez por saber
desta minha antipatia,
lá vem meu verso
saltando amarelinhas ao meu redor.

E eu agora gosto!

JOGO
Flávia Côrtes

As regras são
claras,
antigas,
conhecidas.
Toda mulher aprende
ainda menina.
Ligar.
Não ligar.
Deixar.
Não deixar.
Esperar.
Instigar.
Manipular.
Conheço a cartilha.
Sei do protocolo.
Então, porque
a palavra aberta,
o olhar direto,
o sorriso claro,
o poema?
Te conto.
É esse olhar poeta
que me impede o jogo
e que me impele à vida.
Um pouco escolha,
um pouco sina,
descarto regras.
Será que perco?
Será que ganho?
Me diz você.
Eis aqui as cartas.
Eis aqui
a mulher.

DESCOMPASSOS
Flávia Côrtes

Era época de falar de planos, projetos, valores
e cá estou eu a te contar de sonhos, suspiros e vontades.

Era época de te perguntar o que você faz, onde estudou, o que planeja
e cá estou eu te perguntando o que te encanta, instiga e desafia.

Era época de eu te falar do trabalho, da família, dos amigos
e eu me encontro te falando do que contenho e excedo.

Era tempo de eu querer saber onde mora, se tem um hobbie
e eu me encontro querendo saber o que tem esperado, suspirado, transpirado.

Era tempo de contar o que fiz ontem
e cá estou eu te contando do meu lugar do sonho e de como escolho livros.

Era tempo de saber o que vai fazer hoje
e eu me encontro querendo saber o que te faz feliz.

O tempo era de ser educada e simpática
e eu me vejo contando hábitos estranhos ao mundo,
te falo sobre poemas ditos na varanda,
mostro as metáforas que pulsam nas minhas palavras.

Mas o tempo
fundiu minuto em hora
no momento em que o espelho refletiu.

E a época
abriu o espaço
no instante em que nos reconhecemos.

ARTÍFICE
Flávia Côrtes

Qual artesão,
esboça a minha vontade,
desenha o meu desejo,
esculpe o que eu quero.

Maestro,
rege meus suspiros,
compõe meus arrepios,
me descompõe.

Pintor das minhas nuances,
mergulha as mãos em minhas tintas
e faz de mim
tela branca de ti.

Diretor do desatino
coordena nossa loucura.
Me faz personagem,
desnuda em tua cena.

Cineasta de um filme
inédito de nós dois,
me olha como quem sabe o final.
E eu que nem vi o início.

Dançarino que me conduz
em ritmo que é só nosso.
Me enlaça e me leva,
bailarina em teus abraços.

Poeta
da palavra que eu não disse,
do canto que me seduz,
do verso que eu mais quero.

E eu aqui,
criadora e criatura,
vejo no ar
as imagens do que dissemos,
as figuras do que pintamos.

Nossas cenas,
nossas cores,
se condensam em mim.

E me deixam aqui exposta
em poema de nós dois.

Meu verso me conta

Sim
Meu verso me conta
Cada palavra que eu já escrevi me diz
Cada linha escorrida me fala

Verdade
Quem me lê me vê
Sabe do que pensei, quis, achei
Ou senti

Descobre do que sonhei, criei, lembrei
Ou fiz

Mas, olha
Cuidado
Minha palavra me brinca
Faz esconde-esconde de mim

Se você quer mesmo saber
De tudo isso
O que eu já fiz
O que eu já quis
O que eu já vivi

Tira os olhos do papel
Olha pra mim

Me respira
Me toca
E me aprende

Quem sabe assim eu te conto.

Quem sabe assim
eu me mostro.


MEU VERSO ME CONTA
Flávia Côrtes

Sim
Meu verso me conta
Cada palavra que eu já escrevi me diz
Cada linha escorrida me fala

Verdade
Quem me lê me vê
Sabe do que pensei, quis, achei
Ou senti

Descobre do que sonhei, criei, lembrei
Ou fiz

Mas, olha
Cuidado
Minha palavra me brinca
Faz esconde-esconde de mim

Se você quer mesmo saber
De tudo isso
O que eu já fiz
O que eu já quis
O que eu já vivi

Tira os olhos do papel
Olha pra mim

Me respira
Me toca
E me aprende

Quem sabe assim eu te conto.

Quem sabe assim
eu me mostro.

Flávia Côrtes
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