Maria do
Carmo Bomfim
Me
desnudei
diante do
poema-espelho
e, à
medida que fui
me
desvendando,
o poema
foi se formando
independente
da minha vontade.
Tirei
mágoas daqui, desilusões dali,
uma
cicatriz lá, outra cá.
No peito,
não tem jeito:
estamos
sempre por um triz.
A vida,
se vivida,
traz
sofrimentos, lamentos.
Aceitá-los
é a palavra mágica.
Ao me ver
assim,
dei lugar
à alegria.
Deixei de
ser mais um
e me fiz
poesia.
PASSADO
Maria do
Carmo Bomfim
Eu era
tão menina
para
entender teu sentimento
o quanto
você se deu
e não
percebi
nem por
um momento.
Eu era
tão garota
para as
tuas artimanhas
que me
enredavam
fazendo
de mim uma sombra
da mulher
que um dia eu seria.
Eu sou
hoje
esta
mulher
e não
sabia.
MISSÃO
Maria do
Carmo Bomfim
Se eu
puder tocar
no
coração de uma pessoa
já terei
marcado
o meu
destino de poeta
Não quero
me exibir
através
das palavras
Ser uma
operária
do som e
da rima
é meu
ofício, minha sina.
E se eu
puder provocar
numa só
pessoa
uma
lágrima
ou um
riso
mínimas
festas
já terei
vivido
o meu
destino de poeta.
ILUSÃO
Maria do
Carmo Bomfim
Tire a
máscara:
quero ver
teu rosto
sentir
teu gosto,
Pierrot.
Me deixa
limpar
esta
lágrima,
chega de
mágoa, de farsa,
vamos
viver a verdade
e curtir
a fantasia.
Sou tua,
só tua,
Colombina.
GRITO
Maria do
Carmo Bomfim
O que não
sai no verso,
sai no
traço.
O que não
consigo dizer,
a pintura
dá o tom.
Se não
der ainda,
eu canto.
O que eu
não posso é ficar
sufocada,
sem voz,
sem nada
calada.
EUSEMVOCÊ.COM
Maria do Carmo Bomfim
Enquanto eu não dedicar a você
Maria do Carmo Bomfim
Enquanto eu não dedicar a você
este
último poema,
não
haverá ponto final
nesta
história quase esquecida.
Viajei ao
passado e o desencanto
de não
torná-lo presente
foi
constatado de vez:
você sequer
lembrou meu nome
e quer
ver o meu perfil no face.
Pra quê,
se não fiquei
na sua
memória afetiva
esvaziada
e exaurida?
Por que,
se só eu tenho
você na
lembrança?
De que
vale a minha procura,
se quem
parecia tão rico se empobreceu?
De tudo
que vivemos,
só resta
eu.
CRÔNICA
DA NOITE
Maria do
Carmo Bomfim
Poeta
maldito,
proscrito
dos livros.
banido
dos saraus,
dos
shows, dos chás.
Fora dos
salões,
fiel aos
bares sórdidos,
onde
cospe os seus versos
nas caras
dos bêbados,
sôfregos
e sós.
Ouve risos,
choros
e depois
em silêncio
passa o
chapéu e
com esse
troco afunda de vez
na mais
profunda solidão.
CONTRASTES
EM COPACABANA
Maria do
Carmo Bomfim
Que seres
somos nós?
Humanos
ou robôs?
Andamos
pelas ruas,
apressados,
assustados
correndo
não sabemos de quê.
Em cada
esquina
há o que
se ver.
O garoto
malabarista
maneja no
ar,
com
maestria,
bolas
verdes, azuis, vermelhas.
Ninguém
nota,
nem param
por ele.
O sinal
abre
e quase o
atropelam.
Os
motoristas seguem
de olhar
reto, sem vida,
escondidos
no insulfilm
dos seus
medos.
BICHO
Maria do Carmo
Bomfim
Não quero
saber do passado,
nada de
olhar para trás.
Estou
nascendo hoje,
saindo do
ovo,
quebrando
a casca,
botando a
cabeça
e o
coração para fora.
Daqui a
pouco vou andar.
Eu quero
é viver,
e a vida
começa agora.
ALAGOAS
Maria do
Carmo Bomfim
Para o
meu tio Durval
Quero
ficar em Penedo
navegar
no São Francisco
onde
ficaram as lembranças
do meu
pai
Comer
jacaré
tucunaré
piaba
mussum
castanha de caju
feijão
verde gerimum
Fazer
moringa de barro
brincar
com bruxa de pano
À tarde
dar adeus
aos
pescadores
que vão
de rio à dentro
Aguardar
o retorno
barcos
cheios de frutos
(O velho
Chico é generoso)
deitada
na rede
tomando
água de coco.