terça-feira, 29 de janeiro de 2013

EURIDICE HESPANHOL


NA MINHA VELHICE
Eurídice Hespanhol

Na minha velhice
quero descansar nas rugas do meu rosto
pássaro triste,
indefeso, exposto
e o vento a me entregar o tempo,
suspirando asas.

Adormecer montanhas
sem esperar por nada.
Ser algo assim
sem explicar o medo
que já morre antes.

Na minha velhice
quero o mar de pedra,
a prata d’água,
a maré infinita.
Sobre as montanhas
o céu de estrelas,
a noite nua
sussurrando amores.

Quero viver um pouco mais e ainda
para enxergar os horizontes de mim mesma.

Do livro Jabuticabas – Oficina Editores - 2012

MINHA MORTE
Eurídice Hespanhol

Se eu morrer amanhã,
não quero funeral,
como é janeiro
quero um pré-carnaval.
Cubram-me de confetes
no cortejo,
que seja mínimo,
podem rolar serpentinas.
Qualquer música,
desde que brasileira.
Se teimarem algumas lágrimas
no rosto dos queridos,
ficarão lindas,
misturadas ao brilho das purpurinas...
Alguém por favor,
pode trazer um poema?
que seja poema de um amigo.
Quem desejar:
pétalas de flores, também adoro...
Não tenho preferência por nenhuma.
Me maquiem, pelo menos nesse dia
quero parecer chique,
os vermes apreciam um defunto
de boa aparência...
Mas se eu morrer amanhã,
Paciência...
Continuem suas poesias,
nada de salamaleques.
E não aceitem esses pedidos
ou qualquer vontade ridícula
de quem pensa em morte...

ANJO PROIBIDO
Eurídice Hespanhol

eu poderia abrir teus olhos
te entregar a guerra
desencantar teus sonhos
esmagar tuas entranhas
bem assim no meu silêncio
desprendida de toda censura vã...

imaginar que é nosso
este mundo à parte
que no meio da arte
existe o tempo de ser errado...

te querer
te encontrar no meio do poema
te ofertar o sentimento alucinado
como se pudesses ser amado
sem ver cair em meus ombros
toda pena...

se caísse o véu no meio do oceano
e te entregasse por engano
todo corpo em desalento

se aportasse em meu desejo
toda sede do teu beijo
bebesse em teus versos
todo sonho de ser meu...

se poesia fosse o rumo de quem ama
neste interdito modo de quem chama
apagaria este poema imaculado

colocaria fogo em nossa cama
esqueceria a posição de dama
e viveria somente de pecado...

Do livro Jabuticabas – Oficina Editores – 2012


ACEITAÇÃO
Eurídice Hespanhol

Eu aceito meus cinquenta anos
no auge dos mantras rebeldes
da minha juventude.
Eu aceito meu rosto em desalinho,
Os olhos secos após os tempos de lágrimas...

Eu receberei nada menos
que a pausa hormonal da idade,
para eleger-me eternamente fértil.
Fértil de luas,
de sóis,
de ventos, de intuições...
E me revelo repleta de cabelos brancos,
tingidos e falsos.

Eu me adoro imensamente mulher,
sem sobressaltos de incertezas,
Me respeito dona de todos os meus erros,
grávida de amor,
de sonho, de alegria.
Eu me revelo eterna,
para envelhecer
nos braços líricos
de toda poesia!

Do livro Jabuticabas- Oficina Editores – 2012

ALQUIMIA
Eurídice Hespanhol

Meus silêncios,
levaram-te meus gritos meus intensos,
chegaram a tua insônia...
Minha insolência feminina,
transmutou teu hálito, tua alma,
trouxe-me teu cheiro, teu desejo,
tua mágica oferenda...
Minhas alquimias,
palavras de bem-querências,
subverteram certezas, viraram mesas,
desfizeram camas.
Derrubaram medos e tabus.
Minha vontade é nua,
Límpida,
Clara.
Sou raios de sol à tua espera...

TRIGÉSIMA PRIMEIRA CANÇÃO
Eurídice Hespanhol

Sob estrelas,
o fogo da noite em festa.

O acampamento a reluzir paixões,
as rodas das saias em vermelho cetim,
passos de alegria dançando em mim.

Tua promessa em vivos olhares,
o destino em carruagem de sonhos.

Tua palavra ao som dos cantos,
em flamencos sapateadores,
cantares!!

O mais distante passo a estreitar distâncias,
ipês em flor de pétalas brancas
ladeando a estrada...

Todas as estrelas em cadentes brilhos,
derramam sobre nós
as chamas dos luares.

E a esperar a aurora,
a noite rompe os trilhos
e trocamos nosso sangue
no linho dos altares!

HUMANO
Eurídice Hespanhol

Não escrevo mais poemas,
para o inferno todos os versos!
Não escrevo mais lirismos,
somente frases matematicamente compostas
um verbo apenas em oração mais que simples...

Serei imperativos rasos,
profundidade na ponta do nariz...
Não amarei os sóis, os ventos que sempre amei.
Não olharei nada,
nada à minha volta.
Que passe o mundo,
como se fora sempre em branco.
Não me importo mais com o outro:
se chora, se sofre, se já recebeu flores.
Nunca mais o palhaço a rir de si mesmo.
Nunca mais dádivas de amor
a receber espantos de quem não conhece
a não hipocrisia.

Não mais o sorriso inteiro,
a despontar da alma ingênua
de quem nunca deixa de acreditar
na criança adormecida em todos os corpos.

Serei homem,
apenas homem,
bicho humano
que se esconde
atrás
de si mesmo...

(Poema vencedor do I Máximus Pemiun de Poesia Francisco Igreja)

FELICIDADE
Eurídice Hespanhol

Felicidade é um amor à vista,
respiração com suspiros
num gosto de boca seca.

Felicidade é beijo de filho,
laços de fita no cabelo,
saias de roda na canção ciranda...

Felicidade é por de sol vermelho,
pardal ciscando o chão na porta de casa...

Felicidade é amar meio sem freios,
conceber-se em estado de  devaneios,
com sabor de gente querida
comendo doces de mãe...

Felicidade é sonhar que na verdade,
tudo pode, sem idade,
sem tabus, preconceito.

Felicidade é ser arco-íris na chuva,
ser luz na noite fria,
preencher a hora vazia
com sentimentos eternos.

UMA CANJA
Eurídice Hespanhol

Nas mãos o cheiro de cebola,
disperso na pressa do poema...
Cenoura, arroz, frango e batata,
algo de tempero,
poeta no fogão, então:
uma canja!
Cozinho muito bem, quando quero!
Já casei, tive os filhos, plantei árvores.
Versar é meu ofício predileto.
Quisera poder viver de versos.
Ilusão...
Mesmo fazendo canja, suflês,
bolos e cozinhando,
faria versos de sal e açúcar,
seria doce para um bem amado,
num imenso poema açucarado...
No papel: gosto de pudim de amêndoa,
cocada e beijinho de coco,
calda de chocolate, sorvete de nata.
Versos de toucinho do céu!
Sonetos de colchão de noiva!
Liberdade de goiaba em calda,
compota de mamão verde,
figo cristalizado,
doce de abóbora da minha avó!
Balas de guaco com sabor de criança intensa...
Sou assim:
um verso de infância,
mãe,
cozinheira perdida em poemas,
uma canja, nada mais...

UM NÉCTAR  DE INFÂNCIA
Eurídice Hespanhol

Carambolas, nêsperas maduras,
araçás de amanhecer sabiás,
figos com gosto de encanto,
amoras que acordam o bem-te-vi:
estou aqui, estou aqui, estou aqui!
Paineira em flor no portão,
ipê sangrando em rochas pétalas contidas.
Jasmim do cabo em perfume,
dálias antigas, perpetuando vidas...
Meus olhos entre o pêssego e o jambo,
entre a montanha de pedra e o monte de palha de arroz.
Eu, meu pai, minha mãe, sem depois...
O café ao sol, na lona tingida de nódoas antigas...
A terra cansada, a várzea inundada
e os grãos de nós dois...
Afável momento em leito de pedras.
Pés de castanheiras,
castanhas encobertas por roupas espinhentas,
cheiro de alho adiantando o almoço,
bananas assando na chapa do fogão à lenha
e uma menina de olhos abertos dizendo ao tempo:
venha,
venha,
venha!

FLORES DE CAPIM
Eurídice Hespanhol

Minha santa paz desliza,
na intensidade de um grão de areia.
Sou algo em profusão de sentidos,
multiplicando imagens e versos sem futuro...

Na mesma ânsia do meu caramboleiro,
repleto de flores e frutos ainda fetos,
inauguro esperas para as chuvas
e para os sóis de cada dia.
Aguço ouvidos para chegar perto
da sinfonia entoada pelos sanhaços,
agasalhando a fome na doação da goiabeira...
Minha fênix de frutos maduros,
o sabugueiro em eternidade de mudas
e tudo, desde a hiléia até a icsória,
fazem deste verão, um prenúncio
de outono prematuro...
Na poesia dos ventos,
apaga os tempos e inventa um poema de neblina,
entre a névoa da montanha
e os caprichos do mar do Recreio...
Minhas flores de capim,
dançam atrás de mim...
A tuia guarda a manjedoura dos bicos de lacre,
pequenos anjos sem amparo,
padecendo a ignorância das gaiolas...
Minhas flores de capim,
secam,
além de mim...

7 comentários:

  1. Eurídice Hespanhol... magnífica, sempre!

    Damáris Lopes

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  2. Eurídice, é muito bom lê-la em livros, vê-la nos palcos e, principalmente, tê-la como amiga! Sou seu fã de carteirinha. Parabéns pelos poemas aqui selecionados. E ao Naldo, pela iniciativa de publicá-los. Beijos do Jorge Ventura.

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  3. Eurídice,sempre majestosa com seus versos magníficos!
    Beijo&Poesia

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  4. Queridos amigos/poetas, melhor que tudo é ter ao meu lado pessoas como vocês. A poesia, nunca vem sozinha, traz-nos os afins, os semelhantes de destino poético e luta compartilhada pelo verso nosso de cada dia. Vale viver para conhecer pessoas como vocês todos. Beijos de poesia, sempre! Obrigada!

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  5. Eurídice, sua poesia sempre foi assim, cheia de lirismo, mas principalmente de ritmo, de contagiante ritmo, que faz com que as palavras adquiram forma, que faz concreto o abstrato da vida. Eu que te vi menina ensaiando os primeiros versos sempre fico maravilhado ao ler ou ouvir suas poesias. Alma em festa! Um grande abraço do amigo de sempre, José Antonio Saraiva

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  6. Adoro ler e ouvir os poemas de Eurídice. Doces, fortes, melodiosos. Parabéns, querida. Parabéns ao Naldo, pelo espaço e oportunidade de apreciarmos os poetas contemporâneos de grande qualidade.

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  7. José Antonio,é muito bom ter amigo como você,que nos conhece desde a infância. Um amigo que alé de poeta é Madalenense,não sabe a importância que o teu comentário tem para minha lida lírica.Obrigada e muito sucesso,abraços para sua família maravilhosa, sua musa e os filhos escritores.
    Kátia,é sempre muito bom receber palavras de uma poetisa como você, obrigada querida, bjs!

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