quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

FLÁVIA CÔRTES



PROVOCAÇÕES
Flávia Côrtes

O olhar trazia uma afirmativa
que me isentava da resposta.

O que eu lia nos teus olhos
me fazia baixar os meus.

Eu que sempre soube sustentar olhares.

A recomendação
era seguir pelo caminho do meio
para não perder o equilíbrio.

Logo a mim,
a quem encantam extremos.

Tinha uma lua amarela no céu
e a tua lembrança
me provocava
verso.

Não era para te provocar
mas te saber provocado
sempre me deixa
provocante.

Se isso não fosse um poema
e eu estivesse sob os teus olhos,
provavelmente,
não diria tanto.

Mas, como páginas brancas
não ruborizam,
eu verso.

DOIS EM CENA
Flávia Côrtes

Não, eu não me preocupo que seja para sempre.
Se tiver mesmo que colocar advérbio
nesse verbo com som de horizonte,
que seja de intensidade
e não de tempo.

Prefiro que me queira.
Todo dia,
de novo
e novamente.

Da mesma forma
ou diferente.

Mas que não me queira
mais ou menos,
meio por acaso,
meio sem querer.

Que me queira muito.
E que me queira bem.

Não, eu não procuro um amor de cinema.
Não acho que amores combinem com roteiros.
Mas tampouco me encantam
essas modernas paixões em minissérie.

Prefiro que me faça
encantadora
e encantada.

Que dispense palco e ribalta.
Em cena, só querer.

Ao vivo.
Em arena plena de nós dois.

ESCOLHAS
Flávia Côrtes

Tá bom, você precisa.
Decidir, escolher, optar, resolver.
O dia começa, e você precisa.
Atender aos pedidos!

Do filho,
do marido,
da mãe,
do chefe,
da empregada,
do médico,
do professor,
do dentista.

O dia corre e você tem.
Tem que fazer, tem que saber, tem que poder.

A noite chega e você precisa.
Precisa ouvir, discutir, saber.

Porque o certo, o correto, o direito,
é você ser essa pessoa
eficiente, organizada, decidida,
informada, bem vestida, articulada
e antenada!
Por que
seus filhos,
seu marido,
seu trabalho,
seus pais,
seus amigos
esperam.
E eles
precisam de você.
Mas, hoje, só um pouquinho,
antes que o Hoje acabe,
pare e pense:
Quem precisa de quem?
Precisam de você?
Ou você precisa que precisem de você?
Quem precisa do que?
Seu filho?
Precisa que você saiba
ou que você sinta?
Seu marido?
Precisa que você faça
ou que você esteja?
Sua mãe?
Precisa que você ligue
ou que você escute?
Seu trabalho?
Precisa que você corra
ou que você faça?
E você?
Precisa do quê?
Precisa de quem?
Então, hoje, só um pouquinho,
antes que o Hoje acabe,
escolha ouvir a si mesma.
Decida olhar para o outro.
Escute o que não foi pedido.
A palavra que não foi dita
e grita.
Veja o que não foi mostrado.
O gesto que não foi feito
e pede.
Hoje, só um pouquinho,
antes que o Hoje acabe,
sinta.
Desfaça,
não faça.
Desorganize
ou não organize.
Por dentro ou por fora.
Permita.
O nome do Hoje é presente.
Isso não é por acaso.

DESCOBRE-ME
Flávia Côrtes

Deitei-me em palavra
Desnuda
Em página branca
E esperei que me lesse

Vagarosamente teu olhar
Percorre
Explora

Como dedos quentes
Entre linhas
Fendas

Sobre os versos
Sussurras

Sob os versos
Suspiro

Deitei-me em palavra
Aberta e exposta
Sob teu olhar poeta

Delicadamente
Sem palavras
Respiração entrecortada

Descobre-me!

O SOM DO POEMA
Flávia Côrtes

Imaginas que o som do poema
vibra apenas se o dizes?

Pensas que o som do poema
ecoa apenas no teu pensamento?

O poema crepita e pulsa
alinhado com a tua alma.

E te equipa como a um morcego.
Sintoniza o teu vôo cego.

Então, encosta teu ouvido aborígene
nesta folha-solo
e percebe o mundo ancestral
que o poema te traz.

Fecha os olhos.
Sente o sussurro
suave ou forte do poema
ecoando nas membranas
do teu pensamento.

Abre a mente.
Percebe que o poema
sintoniza a tua frequência
com o timbre lírico do mundo
que vibra alheio a tua ocupada vida.

E não te preocupas com a racional certeza
de que o som não se propaga no vácuo.

Ainda que tenhas tido o meticuloso cuidado
de lacrar hermeticamente a tua alma,
o som do poema traz dentro de si
sabedoria de Kabbalah.

É por isso que, ainda que tenhas te perdido de ti,
o som do poema ainda sabe o caminho.
E te ecoa
em mágica viagem da Palavra.

Escuta.

AMARELINHAS
Flávia Côrtes

A laranja no copo de guaraná era amarela
e sorria para mim.

Como amarela era a flor
que imitava um peixe
no arranjo em frente à mesa.

E amarelo o sorvete de damasco
que refrescava o jardim
de amarelas Alamandas.

As páginas do meu Quintana
eram claras gemadas que eu folheava
na tarde quase quente.

Eu nunca gostei de amarelos.
Quando fortes, escandalosos.
Quando tênues, insossos.

E, talvez por saber
desta minha antipatia,
lá vem meu verso
saltando amarelinhas ao meu redor.

E eu agora gosto!

JOGO
Flávia Côrtes

As regras são
claras,
antigas,
conhecidas.
Toda mulher aprende
ainda menina.
Ligar.
Não ligar.
Deixar.
Não deixar.
Esperar.
Instigar.
Manipular.
Conheço a cartilha.
Sei do protocolo.
Então, porque
a palavra aberta,
o olhar direto,
o sorriso claro,
o poema?
Te conto.
É esse olhar poeta
que me impede o jogo
e que me impele à vida.
Um pouco escolha,
um pouco sina,
descarto regras.
Será que perco?
Será que ganho?
Me diz você.
Eis aqui as cartas.
Eis aqui
a mulher.

DESCOMPASSOS
Flávia Côrtes

Era época de falar de planos, projetos, valores
e cá estou eu a te contar de sonhos, suspiros e vontades.

Era época de te perguntar o que você faz, onde estudou, o que planeja
e cá estou eu te perguntando o que te encanta, instiga e desafia.

Era época de eu te falar do trabalho, da família, dos amigos
e eu me encontro te falando do que contenho e excedo.

Era tempo de eu querer saber onde mora, se tem um hobbie
e eu me encontro querendo saber o que tem esperado, suspirado, transpirado.

Era tempo de contar o que fiz ontem
e cá estou eu te contando do meu lugar do sonho e de como escolho livros.

Era tempo de saber o que vai fazer hoje
e eu me encontro querendo saber o que te faz feliz.

O tempo era de ser educada e simpática
e eu me vejo contando hábitos estranhos ao mundo,
te falo sobre poemas ditos na varanda,
mostro as metáforas que pulsam nas minhas palavras.

Mas o tempo
fundiu minuto em hora
no momento em que o espelho refletiu.

E a época
abriu o espaço
no instante em que nos reconhecemos.

ARTÍFICE
Flávia Côrtes

Qual artesão,
esboça a minha vontade,
desenha o meu desejo,
esculpe o que eu quero.

Maestro,
rege meus suspiros,
compõe meus arrepios,
me descompõe.

Pintor das minhas nuances,
mergulha as mãos em minhas tintas
e faz de mim
tela branca de ti.

Diretor do desatino
coordena nossa loucura.
Me faz personagem,
desnuda em tua cena.

Cineasta de um filme
inédito de nós dois,
me olha como quem sabe o final.
E eu que nem vi o início.

Dançarino que me conduz
em ritmo que é só nosso.
Me enlaça e me leva,
bailarina em teus abraços.

Poeta
da palavra que eu não disse,
do canto que me seduz,
do verso que eu mais quero.

E eu aqui,
criadora e criatura,
vejo no ar
as imagens do que dissemos,
as figuras do que pintamos.

Nossas cenas,
nossas cores,
se condensam em mim.

E me deixam aqui exposta
em poema de nós dois.

Meu verso me conta

Sim
Meu verso me conta
Cada palavra que eu já escrevi me diz
Cada linha escorrida me fala

Verdade
Quem me lê me vê
Sabe do que pensei, quis, achei
Ou senti

Descobre do que sonhei, criei, lembrei
Ou fiz

Mas, olha
Cuidado
Minha palavra me brinca
Faz esconde-esconde de mim

Se você quer mesmo saber
De tudo isso
O que eu já fiz
O que eu já quis
O que eu já vivi

Tira os olhos do papel
Olha pra mim

Me respira
Me toca
E me aprende

Quem sabe assim eu te conto.

Quem sabe assim
eu me mostro.


MEU VERSO ME CONTA
Flávia Côrtes

Sim
Meu verso me conta
Cada palavra que eu já escrevi me diz
Cada linha escorrida me fala

Verdade
Quem me lê me vê
Sabe do que pensei, quis, achei
Ou senti

Descobre do que sonhei, criei, lembrei
Ou fiz

Mas, olha
Cuidado
Minha palavra me brinca
Faz esconde-esconde de mim

Se você quer mesmo saber
De tudo isso
O que eu já fiz
O que eu já quis
O que eu já vivi

Tira os olhos do papel
Olha pra mim

Me respira
Me toca
E me aprende

Quem sabe assim eu te conto.

Quem sabe assim
eu me mostro.

Flávia Côrtes
www.poetaflaviacortes.com.br

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