sexta-feira, 1 de março de 2013

EDNA FEITOSA


DESINSPIRAÇÃO
Edna Feitosa

Quero escrever um poema ao meu amado.
Mas a poesia anda sumida,
Como o olhar úmido das estrelas.

Continua chovendo...
Gosto da chuva apesar das traições...
Acho que ela se assemelha a uma pessoa fria,
Sedutora pelo mistério...
Dona de alegrias e tristezas...
Meio pagã, quase divina,
Mutável como as nuvens.
Nela, percebo vago lirismo
Que não consigo apreender nem escrever.

Prefiro o som luminoso do riso do meu amado,
Com jeito franco de raio de sol,
Clareando e amornando meus pesares.
Ah, esse amado!...
Terna criatura, como anjo barroco...
Expressivo no olhar, como personagem renascentista,
Puro de alegrias, como ária de opereta italiana,
Cheio de amor, como romance da belle époque...

Sei disso, sinto isso, digo isso...
Mas, a poesia hoje parece assim tão esquiva...
Decerto retraída pela chuva
Ou enciumada das quantas lembranças dela.
Pois a poesia que se dane!
Em prosa cantarei minha ternura.

PLENITUDE
Edna Feitosa

Marque encontro comigo
Na paisagem mais bonita
Apenas hoje seja pontual
Para adentrar meus sonhos

Se arrume
Com o melhor traje
Na simplicidade exata
Das pessoas elegantes

Não use perfume
Preciso do seu cheiro
Da sua pele, do seu toque
Como a lua precisa da noite
Para fingir-se estrela

Chegue assim brilhando
Com o sol das manhãs
E só se despeça
Com o pôr-do-sol.

Preciso juntar os pedaços de você
Para que eu possa entender
Se como adolescente amo um sonho
Ou se como mulher, amo um homem.

MOMENTO MEU
Edna Feitosa

Penso pouco em mim, mas hoje pensei.
Pensei em minha vaidade tão ausente,
Embora admita justa feminilidade.
Pensei na mulher simples
Mas não me vi simplória ou comum.

Descobri que, apesar de algumas dores,
Não transfiro mágoas
Nem ressentimentos.
E que, mesmo frágil às vezes,
Quando necessário
Me faço guerreira.

Ave aprendendo os primeiros voos
Rumo aos antigos sonhos.
Singeleza quase agreste, meio catita,
Assimilando inusitada
Malícia diante de águias.

Pensei e pensando descobri
Que sou artista de minha luta,
Artesã do meu destino,
Desenhista dos meus projetos de vida,
Poetisa de minhas lembranças.

Pensei e silenciei respeitosamente...
Senti um misto de angústia e ternura
E num impulso de fé orei por mim.

IRREVERÊNCIA POÉTICA
Edna Feitosa

Quero sonhar que escrevo
palavras de amor no teu dorso
e que as recito ao teu ouvido.
Estas palavras, sim, são imortais!

As regras que se danem!
Quero apenas continuar assim:
enluarada como eu só;
com a sensação de estar sendo livre
porque penso, sofro, rio,
canto, quero...

Tenho urgência de vida!
Não quero desistir de sonhar
Não quero pensar pra escrever
Não quero ter que querer...

Continuo sonhando
que escrevo em teu dorso
sem perguntas nem explicações.
E, se tiver que acordar, que seja longe
onde as respostas já não façam sentido
e meus poemas possam ser lidos
sem que eu os tenha que escrever!

ENCANTAMENTO
Edna Feitosa

Hoje, num lugar de sonho,
a mais bela frase de amor
não vale o silêncio de um olhar
dizendo quantas mil ternuras
cabem no fundo de um suspiro,
pedindo doçuras de beijos
e juras ao findar do dia.

RODA (QUASE) VIVA
Edna Feitosa

Num momento rico
Escutava o Chico.
Discreta tristeza,
Singela beleza
No comum da voz.
CD regirando
Som e zelo
Lembrança de nós...
Vontade de tê-lo
Sorrindo, sonhando
Falando-me a sós.

E o Chico cantando:
“Se, na desordem do armário embutido,
meu paletó enlaça teu vestido
e teu sapato ainda pisa no meu...”
Ah, como doeu!...

Sentindo a ternura
Tão crua do verso,
Gentil e perverso,
Pensei com amargura
no nosso talvez:
Mas como, mas quando?
Vidas se apartando
Sem nunca ter vez
De compartilhar
Roupas nem nudez?

Canção infeliz
Que pouco nos diz.
Sair sem chegar,
Partir sem juntar?...
Peguei-me cismando
Sem como nem quando
Qual roda viva
CD girando,
Trocando cores.

Sonho à deriva
Dos meus temores
De como e quando
tal narrativa
já aconteceu.
Chico tocando
Almas e amores
Me comoveu
Mas, as tais dores
Dos meus ardores
Não respondeu.

ECO MUDO
Edna Feitosa

Ah, como quero merecer as palavras
que me dizes com brandura de brisa
com doçuras de beijos tão sonhados

Num sopro te devolvo as carícias
qual eco mudo de amor nos teus cabelos
retribuindo gestos, redizendo juras
cheirando a jasmim, flor da gratidão

Amo ardentemente as fantasias
que me trazem o teu terno afago
e sou orgulhosa de ti, homem amado,
dono da saudade que agora quase passa...

ÍMPIA HARMONIA
Edna Feitosa

Já não existe o frio dorsal
Nem mesmo insinuantes gestos e palavras.
A lingerie transparente
Cedeu lugar ao confortável camisão de malha.

As horas acomodaram-se
Tudo em seu tempo e lugar certos
Absolutamente organizados.

O escandaloso riso solto desapareceu
E permaneceu o discreto sorriso.
Alteraram-se volume e estilo de sons.
As atitudes pensadas, comedidas
Substituíram a espontânea descontração.

Já não há tremor no abraço
E o toque já não descontrola a respiração.
Já não há calor queimando o rosto
Nem umedecem mais os olhos, de saudade...

A vida está coerentemente certa.
O tempo responsavelmente organizado.
O amor, de tão seguro, virou parentesco.
Tudo certo na vida.
Absurdamente certo.
Que pena!

QUERÊNCIAS
Edna Feitosa

Quero ternura de brisa,
para acariciar teu rosto.
Doçura de lua cheia
para olhar teu sorriso.
Suave canto de ondas
para afagar teus ouvidos.

Quero gotas de orvalho,
cintilando no azul do teu olhar.
Então, colher teus suspiros,
tuas palavras de mim.

Nos teus beijos, quero sabor
de mel, suor e caju,
para falar aos teus lábios,
deslizar em tua pele,
ascendendo assim
nosso mútuo desejo.

Quero carinho de chuva
escorrendo no teu dorso,
chegando assim por acaso,
onde anseias ser tocado.
E deixar brotar arrepios
nos passos das minhas mãos.

Quero feliz vaguear
pelas dunas do teu corpo,
enquanto, ansioso, passeias
pelas colinas de minhas ancas
e rolas nos vales do meu ventre
até se encontrar em minhas veredas,
guiado por meus gemidos.

Quero o abraço imenso,
como o aconchego das nuvens,
na entrega do sol posto...
E contigo ver estrelas
no infinito da ilusão...

LUZ
Edna Feitosa

E Deus disse:
"exista a luz!
e a luz existiu..."
E os usineiros ,
pioneiros de sonhos,
na alquimia dos fios
continuaram o milagre.

Os românticos endeusaram a luz da lua
e iluminaram as almas com versos de amor.
Os seresteiros se cobriram de luz
e cantaram promessas ao luar.
Na luz do olhar que seduz,
namorados trocaram juras...
E Deus permitiu que se desse a luz
e a luz iluminou nova vida
concretizando o milagre do amor.

Luz no céu, fantasiando cores
Luz na terra , camuflando dores
Luz de fogos , de velas
de jantares e velórios.
Luz do pôr-do-sol
luz na água
luz da água.

Usinas transformadoras de toda arte.
Arte em luz
luz em dança
luz em música
luz em poesia
luz em luz!

Flash de luz eternizando momentos
Revelação de luz em cores passageiras
Luz de ideias - vontade de Deus
de ações - vontade dos homens.
Luz dos tantos sóis no tato dos cegos
luz ausente na treva dos embrutecidos.
nos versos dos poetas
na crença dos profetas
nos seres iluminados
na esperança dos aflitos
no foco do palco
na clareira da mata
na fenda da porta
na brecha da alma
na noite que se fez dia,
na vida que se fez magia!

Edna Feitosa

E, de repente você se encontra só.
Perde-se na noite que silencia vozes
Esbanja-se em sombras caladas.
Quer chorar e não sabe como
E, num espaço de século de segundo
Você enxerga uma vida vazia
Pra trás o que ficou?
Cinzas...
Olha pra frente
E tudo é nada
Abre as mãos
E nada é tudo.
Quer sonhar, amar, afagar
Mas, escapa-lhe um riso irônico
Quer acreditar
Mas tudo se desfez
Ao mais leve toque ou menção
Quer dormir
Mas o sono escapa
Pelas frestas da janela
Quer fingir
Mas sua mente cruel
Continua lúcida
Quer ler
Mas as linhas dançam
Riem pelos espaços
Quer cantar
Mas a garganta emudece
E os lábios cerram-se teimosos
Quer sofrer uma dor profunda
Mas já não existem reflexos
Quer abandonar-se indiferente
Mas o tremor da mão
Revela inquietação
Quer acalmar-se
Mas, no peito,
Um coração enlouqueceu
Quer traduzir-se
Mas sua mente
Só dita frases mortas.
Está só...
Só.

2 comentários:

  1. Querido poeta!
    Muito obrigada por permitir que esta escrivinhadora de sentimentos (nunca fui poeta!) ocupasse um lugar junto à tantas "feras", como você. Um forte abraço.

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  2. Poeta, coloquei minha URL, mas estou migrando o site para outro provedor, ok? Este será o oficial. Outro abraço, feliz da vida com seu presente.

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