sexta-feira, 1 de março de 2013

DAMÁRIS LOPES


AMANTES
Damáris Lopes

Sádica, a tarde esconde
dois entre escombros,
sem eira sem beira,
onde beiram quatro ombros.

Nu descaso - puro acaso,
amor maduro.
Terra molhada, telhado seguro,
resquício de chuva,
é corpo suado,
promessa, travessura.

Roçadas as pernas
invadem as portas
das tortas paredes
que segredam tortura.
Ouvem, restrito,
fonético gemido
em cio animal.

Rosto surpreso
ao outro que é preso
pelo prazer,
feroz encontro carnal.

Sádica, a tarde esconde
dois corpos num desejo
e, mordem alucinados,
lábios que antes
seriam só beijos.

QUANDO OUTRA TE TOCAR
Damáris Lopes

Não te cales do amor ao segredo
Sem o gemido que trará a ti, o bem
Contrastes permitas sem falso medo
Sob as plumas do travesseiro que convém.

Talvez tilinte o colchão de uma cama
Ou te impulsione a força, pelo amor da hora
Faze então, do teu corpo, gozo que proclama:
Esse amor não enterra o de outrora.

Ao herdar as mãos de mulher outra
No solto corpo como amante quente,
Descubras carinhos, a lembrança consente.

Perdido pois, em sonhos de quem por ti foi louca
E, mesmo distante, reconheces sem fim
Ao toque de outra sempre sintas teu resgate a mim.

SUSSURROS
Damáris Lopes -

Tocas meu corpo e,
no concreto do substantivo,
me digno a aceitar tua pena.
Sei que em teu braços morro e vivo,
não me transubstancio, apenas.

Sou mais, muito mais quando me ultrapassas,
e usas como instrumento, meus ouvidos.
Perco instantes que passam, porque me calas
quando teus sussurros desalojam meus sentidos.

TALVEZ
Damáris Lopes -

Talvez sejamos
o não, o sim
o fim, o ideal,
a parte, o todo.
Talvez só sonho
a procura do local
Talvez a dúvida
do porque.
Talvez meu lugar
seja você.

RETORNO DE MIM
Damáris Lopes

Retorno com as pálpebras mais inchadas
E, talvez, com um licor amargo nos dentes
No peito de luta de quem sonha com fadas
E por voluntária opção semeia sementes.

Retorno como quem esculpiu o desapego
E saltitou em pedras por libertar cristais
Com pés feridos por espinhos malévolos
Curados por flores que morrem jamais.

Retorno com joelhos esfolados pelos rogos
Em disfarces de esparadrapos alheios
Pelos olhos de mim que tanto espantaram
Coisas viradas, sobrepostas em meus seios.

Retorno ao pátio interno esbranquiçado
Onde vidraças exibem nítida claridade
Onde o aroma fértil me levanta, sacode
E aduba  na mente a possível unidade.

Retorno ao piso em tímida proeza
Lustrando o mármore um tanto opaco
Mas baixada poeira, sob teto de telha
Espaireço na rede, retiro-me do cansaço.

PECADOR PEDÁGIO
Damaris Lopes

Rua abaixo, acho o alimento,
pois tudo na vida que careço,
tem forma, endereço, preço.
Sequer, escapa sentimento.

Rígido mundo! Febre pela economia.
Mesmo sem índice, aqui nada é de graça.
Olhar, saber, mera quinquilharia,
até banco para namorar na praça.

E no amor? Ah... amor, quanto ágio!
Tanto, que o fatio e dele saio fatiado.
Meu coração, coitado, em eterno estágio,
vencido boleto, anda protestado.

Ah...amor, que não recupera,
ainda me toma devedor por presságio,
reduz sempre à infinita espera,
cobra e inflaciona seu pecador pedágio.

TRISTE POMBO CORREIO
Damáris Lopes -

*para os amores que tanto precisam da simplicidade.

Por ela:
Encontrei um pombo-correio,
e ao pegá-lo, meio sem jeito,
testei seu bico como leigo,
era ágil e perfeito.
Haveria de carregar direito
todo impregnado em meu peito,
então, o despachei.
Fácil acreditá-lo, pois o voar tantos km
seria bico pra um bico a serviço do amor.
Assim, amanheci meu dia,
despachando coisas
que só um coração apaixonado faz.
A mensagem simplesmente, dizia
- BOM DIA !!
Ao pombo, só disse:
- obrigada, pelo favor.

Por ele:
A Chegada...

O pombo aqui chegou meio cansado,
meio triste e eu perguntei a ele:
- O que te aflige, pombo, foi o peso da carta que conduziste?
E o pombo respondeu, ainda pousadinho em minha janela:
- Não, é que eu tanto desejava na volta te levar para ela!

SINALEIRO DA COMUNIDADE
Damáris Lopes-

Na bondade que carrega
a turma da minha rua,
existe vermelho sangue
amarelo de amargura.

Na calçada desta rua
sob o velho pé de Ipê,
morte se esconde da lua
testemunha do porquê.

Meio fio, frio córrego,
vira brejo esquecido.
Mal sem base prolifera,
foi o tal do amor, banido.

Nesta fossa à céu aberto,
odor é dado menor.
A janela sem tramela,
licença dada ao bandido.

As portas desta rua
na verdade são cortinas,
tão fracas se veem nuas,
overdose, adrenalina.

Na maldade que carrega
o outro lado da rua,
existe vermelho sangue,
sinal verde para tortura.

PALAVRAS MOLHADAS
Damáris Lopes -

Saem todas de mim, das mãos, da cozinha onde ando
Do escritório onde sento, do afônico telefone.
Saem ocas, toscas, descafeínadas, subordinadas, inflamadas.
Saem todas e não me calam, porque não me cessam.

Boca seca, tremedeira,
Saem palavras, saem asneiras.
Palavras feito boias nas corredeiras.
Palavras da garganta, palavras travas da língua
Palavras de dentro do peito, e de fora da gente
Descalças, calcificadas, estranguladas, pedintes,
Doadoras, sem asas, moradoras de rua.

Palavras são andarilhas das bocas
Na boca do dia, na boca da noite
São açoites, suaves, apanham ou batem
Mas saem em filas indianas
Espontâneas, fabricadas, pacíficas, iradas
Mentiras plastificadas.

São seladas, educadas, abertas,
São secretas.
São secas, asquerosas, inocentes,
são indiscretas.

Erros são as abstratas
Sempre concretas.

São tolas, inteligentes,
Irracionais, inconsequentes, afáveis
Imortais, áridas, imorais
E, quando secas,  enrugadas,
Eu as diluo na boca, com  bom  vinho
As embebedo e as definho
Revelando-as  palavras molhadas.

HORA CERTA DE PASSAR
Naldo Velho e Damáris Lopes

Por calçadas, por esquinas,
por outonos, descobertas,
restos, folhas ressecadas,
muitas lágrimas abortadas...
Dizia o pai mais que depressa:
filho meu não chora!
Muita pressão, pouca conversa...

Fui criança inocente,
ousei sonhos, ganhei prendas,
explorei noites de inverno,
ruas, praças, chuva fina,
colhi marcas, cicatrizes...
Pra curar minhas feridas
só com muita aguardente!

Fui menino insolente,
macerei ervas ardidas...
Quem mandou perder o rumo?
Madrugadas indecentes
pelos becos desta vida...
E o pai dizia sempre:
este menino só dá trabalho!

Por caminhos inquietos
fui sem medos, fui sem dono,
não tirei o pé do asfalto,
rompi todas as fronteiras,
fiz loucuras, fiz besteiras,
por caminhos que eu nem conto,
aprendi a viajar.

Se ainda hoje busco um rumo
e não dispenso uma demanda,
é por que tenho o sangue quente,
mas bem sei onde pisar.
Desta vida conheço um tudo,
lado manso, lado bruto,
hora certa de passar.

15 comentários:

  1. Naldo Velho, estar entre seus amigos é um privilégio para todos nós. Além da pessoa encantadora, do músico, do letrista, voce conseguiu deixar sua marca entre os melhores poetas da atualidade. Entrar para sua escola, foi um dos maiores presentes que tive.

    Aqui, POETA, estamos todos sob as "ASAS QUE VOCE TEM POR DENTRO"...

    Damáris Lopes

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  2. Parabéns pela inclusão da Damáris Lopes, poetisa de talento inequívoco, versos consistentes e sonoros.
    Tive o prazer de conhecê-la pessoalmente num evento, em São Paulo, da Poemas à Flor da Pele.
    Parabéns, Damáris!

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  3. Rosangela, este comentário vindo de uma poetisa como voce, só me alegra. Te respeito muito e sempre que vejo um poema seu também faço questão de ler... admiro muito quem escreve bem!

    Grata, Damáris

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  4. Damáris, parabéns por suas belas letras.
    Um beijo
    Belvedere

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  5. Querida Damáris!

    Teus versos são feitos de dualidade... De riso e de dor, de lágrima e suor, de brisa e furacão, de flor e de pedra...

    Parece que você dorme com um olho fechado e outro aberto e os sonhos estão ancorados nas vicissitudes da vida real e dela não podem se dissociar.

    Gosto honestamente do teor, da força e do peso de sua retórica, mas admito não apreciar totalmente os contornos metrificados e as rimas previsíveis que alguns textos assumem.

    Mas isso é um gosto meramente pessoal, que em nada tira o brilho e a energia de tuas concepções. Particularmente, parece-me que (às vezes) o pensamento é induzido a percorrer uma fôrma moldada que imprimirá-lhe uma forma mais racional e menos espontâneo.

    Enfim, escrever é expôr-se e você o faz de forma verdadeira.

    Parabéns!

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  6. Carlos Couto... muito bom que voce tenha estado por aqui, meu amigo, obrigada mesmo! Gosto sempe das suas colocações e de, fato, voce mostra que me conhece bem quando diz que os sonhos estão ancorados nas vicissitudes da vida real. Fato: "essa dualidade" peculiar a uma geminiana, se confunde e não se dissocia em mim. Voce está certo! E sou meio "arcaica" sim, quanto à forma, gosto de rimas (acho que li muito Cecília Meireles - amo), gosto de sonetos, mas também aprecio versos livres, mas confesso ainda tenho muito que aprender neste quesito.

    Obrigada, amigo e sucesso com seu "Testemunha Ocular"

    Damáris

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  7. Belvedere Bruno... muito honrada mesmo com sua leitura. Tê-la neste espaço é motivo de orgulho!

    Um beijo

    Damáris

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  8. Parabéns ,minha amiga linda!Amo nossa amizade!

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  9. Damaris minha querida
    feliz em conhecer melhor o seu trabalho poetico,
    fiquei encantada com sua larva de poemas
    são muito belos parabéns, pelos poemas, e pela pagina.
    Um beijo de sua amiga Dora Dimolitsas

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  10. Larva de poemas ou lavra? A pá lavra, o verso larva...

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    1. Carlos Couto... voce vê, na tua mente tudo gera "engenharia de palavras"

      A pá lavra, o verso larva, e certamente prolifera... que bom!!

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    2. Mel e Dorinha... voces são encantadoras e eu privilegiada por tê-las como amigas!

      Um beijo Dora Dimolitsas e Mel!

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  11. Tia Dá! É com um misto de vaidade por te conhecer desde o dia que apareci na Terra, felicidade por te saber tão reconhecida e orgulho que eu leio suas poesias!

    É muito bom conhecer um pouco melhor os sentimentos, a forma que você quis se mostrar um pouco em forma de letras, é lindo conhecer esse dom de uma pessoa que admiro, respeito e amo tanto como tia, mulher, mãe e agora como uma artista muito profunda!

    Parabéns e que a cada dia essa página se floresça de mais admiradores, e sua vida de mais alegrias e pessoas queridas em volta!

    Um beijo da sobrinha e fã número 1! Te amo!
    Fernanda

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  12. Palavras...mas que palavras poderei escrever aqui para expressar o muito apreço pelos seus poemas?!...Uma somente:Maravilhoso
    beijos minha querida

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    1. Ignez, bom demais ter tua visita aqui...bom demais tê-la conhecido, bom demais ler teus poemas também... um beijo, minha amiga!

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