EXPECTATIVA
SERGIO
GERÔNIMO
a vida é
tão curta
e minha
capacidade de criar tão intensa
quase me
perco e delirante misturo
da
imaginação abuso e peco
mas não
impeço o futuro acoplado
contigo
em denso nevoeiro
em sons
plenos do conhecido desejo
em cores ar-dor
cintilantes
olhos
extasiados à visão turva
cabelos
armados qual louca
ao teu
ouvido o ardente silêncio de minha boca
minhas
mãos adelgaçam tua cintura
as tuas
tragam no aperto minha nuca – tu me amas!
a vida é
tão curta
e minha
alma tão tensa de viver
que
permaneço dopado desequilibrado – eu sei
me
esforço para não contrariar o devaneio
às vezes
me rebelo o elo arrebentar quero
porém não
importa se não for teu corpo
ao meu
dorso – tua força
suprema
chama e de olhos estrelados
sou
desmaterializado ardo sobre tua cama
acorrentado
por teus anseios sou
escuto
teus lábios siderantes
aperte –
sugue – beije
a vida é
tão curta
e minha
capacidade de criar tão intensa
e minha
alma tão tensa de viver
e minha
vida?
ainda tão
curta...
Do livro
PROFANAS & AFINS, 1991, Oficina Cadernos de Poesia.
ELEGIA
SERGIO
GERÔNIMO
quero
chorar meus mortos
postos
por todos os poros
por todos
os portos dos povos
que
aportei
quero-os
na lembrança cativa
cativando
cada vão cada chão
do meu
sentimento
quero-os
no travesso travesseiro
através
de todos os entraves
atrás da
mais sonhada travessura
quero-os
pulando no coração
nas veias
e artérias pulsando
trampolim
para minha ação
quero-os
de qualquer jeito
no meu
peito nesse aperto
aberto
que desperto
quero
chorar meus mortos
postos
por todos os poros
por todos
os portos dos povos
que
aportei
quero-os
sim
aqui e
agora
quero
chorar meus mortos
sem temor
sem demora
Do livro
OUTRAS PROFANAS, 1998, Oficina Cadernos de Poesia.
DIS(QUE)ABAFO
SERGIO
GERÔNIMO
Estou no
centro
360 graus
de horizonte azul
verde,
vermelho, branco
coral
tonteiamminhasnuvens
tentandotatearalguém
ninguém,
multidão, quem
algo(z)
abro os
braços
abraço o
ar
o mar, o
lar, um par
rodo
estou no
centro
atento há
tanto
e no
entanto
há
marasmo
há
mesmice
há
calmaria
(há)marias
demais
a minha
própria
arma ou
ilha
minha
inconfessável armadilha
Do
livronline ENFIM AFINS, 1999, Oficina Cadernos de Poesia.
CAMINHO
DE SANTIAGO
SERGIO
GERÔNIMO
de
mefisto me visto
de
nefasto me faço: fausto
falso
fauno
Em cantos
o claustro clama
uma pauta
irreverente
tal-e-qual
cigarra guitarra serpente
e ecoa
reza clerical
integrando
na flamenca sensual
um
nostálgico ritual de trejeitos
efeitos
dançantes e espiriláceos
rubiáceos
cristais da carmim criatura
criando
nas alturas das astúrias
astuto
esbelto caminho
ninho de
calcanhares e impacientes soluços
peregrinando
dos pirineus oriente
às costas
do proeminente finisterra
o mais
ocidente intruso a mergulhar
no
tenebroso mar desconhecido
um
bramido que o chicoteia e umedece
e é
cabaça e conchas e cajado
nessa
espinha setentrional
que
eu-cavaleiro de compostela
cautela desses andarilhos
pagem sou
imortal
e assim
me desfaço de mefisto
com que
me visto
e me
disfarço em sensato
do fausto
de que me afasto
falso
fauno
Do livro PANínsula,
2002, Oficina Editores.
SEXOLFATO
SERGIO
GERÔNIMO
Abram a
porta!
deixem-me
entrar!
à noite
o cheiro
de fêmeas & machos
me atrai
mucho más
sou
animal sexolfato
meu sexo
se dilata & me delata
me expõe
às todas as luas
em cada
hidrante escarlate
em cada
balcão bacante
em todas
as mãos
sou
contramão!
inverto o
verso
perverto
o inverso & sou teu servo
quero
sentir o aroma
em tuas
calcinhas
trancinhas
de pentelhos
se forem
cuecas de cetim
xeque-mate
de pura sedação
sedução
entre
seios
& coxas
bundas
& peitos
falas
& falos
todos
& todas
quero
narinas sentinelas
espreitando
tuas entradas...
&
saídas escorregadias
sandalus,
eucaliptus, opium
oxigenando
orgasmo & esperma
ei!
espera...
abra a
porta...
abra a
boca...
abra,
abra!
abracadabra...
abra as
tuas pernas
Do livro,
CODIGO DE BARRAS, 2007, Oficina Editores.
BELAUM
SERGIO
GERÔNIMO
encontrei
belabun em uma segunda-feira
olhos de
corisco
sentinela
armada de artifícios
em um
banco de versos
adereços
entre sons e aromas
descreve
círculos de hieróglifos
dô? nundô?
dô?
nundô?
faíscas
metafóricas
de uma
redondilha maior
trovadores
cruzando-se
em um
shopping de olhares
descreve
círculos de hieróglifos
dô?
nundô?
dô?
nundô?
um poema
descontroladamente
livre
sem pudor
sem
regras
sem meias
sentenças
branco
e
descreve círculos de hieróglifos
dô!
nundô!
dô!
nundô!
belabun
puro desejo
belabun
pura poesia
belaun?
desejo em
poesia
e
descreve círculos de hieróglifos
dô...
nundô...
dô...
nundô...
dô...
nundô...
dô...
nundô...
e pisca
letrinhas entre estrofes
Do livro,
BELABUN, 2007, Oficina Editores.
TRIGO DA
TRIBO
SERGIO
GERÔNIMO
Sou trigo
da tribo, mas minha turma é outra
E a
poesia é pura teimosia
Por
atacado e no varejo, por encomenda de gregos
Ou
purpúrea inspiração, trevo de 4 folhas
Arruda
& guiné, sem temer trovões, trevas
Travas,
trapaças, conchavos com chaves – intrigas
Sou trigo
da tribo, mas minha turma...
É a pura
teimosia
Invadindo
o metrô, camelô da fala
De gala o
teatro da língua rolante
Noz-moscada
de emboscadas em bares
Tratorias,
cafés da inveja
(me dá um
tempo!)
Sou trigo
da tribo, mas... é teimosia
Em
esquinas de contínuos cantos relâmpagos
Camaleões-vampiros
& hidras
Hidrantes
de colírio ou pimenta desse reino
A voz da
vez do reverso do invés
Sou
trigo...poesia pura
Enfrentando
cervantes moinhos relapsos
Instantâneos
de alguma magia feitiçaria
Professando
rezadeiras musas-calíopes
Em letras
de abecedário sacro-pagão
Você
sabe, eu sou também dessa tribo
Mas minha
turma, com certeza, é outra
Do
livro-agenda personalizada GEMINI, 2008, Oficina Editores.
POESIA
É...
SERGIO
GERÔNIMO
(à Olga
Savary)
Outro dia
me chegou um poema
de salto
alto com adereços sutis
endereço
de internauta
um quê de
colegial
disse
baixinho em um hálito
brisa de
outono sua identidade...
sou
poesia feminina
tentei
afastar tal companhia atrevida
continuou
pé-ante-pé no meu pé
me fez
bailarino de linhas tingidas de grafite
às 3 da
manhã não satisfeito
tocou
fogo em meus pensamentos
me fez
diurnos os sonhos
levitei
meio torto entre os gêneros
que a mim
se apresentavam
um poema
que se dizia feminino
batia
incessantemente com sua voz
em minhas
ideias um quanto
radicais
e colocou em semitons
minhas
raízes vernaculares
ele, o
poema – gênero masculino
(coisa
que só os léxicos entendem)
sabendo-se
ser feminina ou seria feminino
mas, a
palavra feminino é masculina: o feminino
ou será
masculino?
esquisito,
não?
este
poema de salto alto
roubou-me
as horas madrugadas
fez-se
companhia, como já disse, atrevida
e com
dedos ágeis de tudo sei
preencheu
o vazio até então
conhecido
das minhas entrelinhas
escreveu
que voltaria
no
espelho da minha vontade
deixou
embaçado ou embaçada
os
embasamentos latinos da minha língua
não
contente com a contenda
sem
desfecho fiz-me estátua de rodin
e atônito
indagador (cinderelamente)
com o
saltinho alto de cristal entre as mãos
questionei
à poesia
quando
ele voltará, mesmo?
ela disse
baixinho: quem sabe?
no
próximo hálito
brisa de
outono
quem
sabe?
Do livro,
CONVERSA PROIBIDA, 2009, Oficina Editores.
COXAS DE
CETIM
SERGIO
GERÔNIMO
sugo tua
nuca seca
subo nas
tuas ancas santas
sumo nas
tuas coxas
desarrumo
todas as colchas
de cetim
mas, de
certo, só o deserto
da cama
e a
escama saída
da minha
marota manobra
que se
amarrota na mesma
rota-peixe
e
sinta...
e
deixe...
o sulco
na tua nuca
que
desarruma tuas ancas luciferanas
não mais
secas as colchas
sumo, uma
vez mais, nas tuas coxas
de cetim
Do livro,
COXAS DE CETIM, 2ª edição, 2010, Oficina Editores.
VOTO SIM
VOTO NÃO
SERGIO
GERÔNIMO
houve um
tempo de discórdia
e os
pares tornaram-se ímpares
só pelo
gosto de serem protesto
mas o
texto não convenceu
voto
sim voto não
comovido
com a impaciência alheia
o povo já
cansado desconfiou
do jogo
classe a versus classe b
zona tal
versus zona total
elite não
era só gafieira
voto sim
voto não
o asfalto
subiu o morro
com ares
de salvação
e dos
teleféricos armados
mil
siglas sibilaram promessas
é sempre
na primavera
que todas
as primas e primos
se
candidatam a cordeirinhos
voto sim
voto não
formigas
e cigarras
coelhos e
jabutis
tubarões
e urubus
a fauna
em polvorosa
canta
suas virtudes
chova ou
faça sol
sou
obrigado pelo TRE
voto sim
voto não
um dia a
minha porcentagem
será
contagiante
não volto
de pasárgada
o rei não
deixou
voto sim
voto não
não volto
não
Do livro,
URBANOSEMCAUSA, 2012, Oficina Editores.
Sérgio: grande poeta! Cativa, incita. Deixa-nos tontos. Parabéns pela força de seus versos.
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