domingo, 17 de fevereiro de 2013

SERGIO GERÔNIMO


EXPECTATIVA
SERGIO GERÔNIMO

a vida é tão curta
e minha capacidade de criar tão intensa
quase me perco e delirante misturo
da imaginação abuso e peco
mas não impeço o futuro acoplado
contigo em denso nevoeiro
em sons plenos do conhecido desejo
em cores ar-dor cintilantes
olhos extasiados à visão turva
cabelos armados qual louca
ao teu ouvido o ardente silêncio de minha boca
minhas mãos adelgaçam tua cintura
as tuas tragam no aperto minha nuca – tu me amas!
a vida é tão curta
e minha alma tão tensa de viver
que permaneço dopado desequilibrado – eu sei
me esforço para não contrariar o devaneio
às vezes me rebelo o elo arrebentar quero
porém não importa se não for teu corpo
ao meu dorso – tua força
suprema chama e de olhos estrelados
sou desmaterializado ardo sobre tua cama
acorrentado por teus anseios sou
escuto teus lábios siderantes
aperte – sugue – beije
a vida é tão curta
e minha capacidade de criar tão intensa
e minha alma tão tensa de viver
e minha vida?
ainda tão curta...

Do livro PROFANAS & AFINS, 1991, Oficina Cadernos de Poesia.

ELEGIA
SERGIO GERÔNIMO

quero chorar meus mortos
postos por todos os poros
por todos os portos dos povos
que aportei
quero-os na lembrança cativa
cativando cada vão cada chão
do meu sentimento
quero-os no travesso travesseiro
através de todos os entraves
atrás da mais sonhada travessura
quero-os pulando no coração
nas veias e artérias pulsando
trampolim para minha ação
quero-os de qualquer jeito
no meu peito nesse aperto
aberto que desperto
quero chorar meus mortos
postos por todos os poros
por todos os portos dos povos
que aportei
quero-os sim
aqui e agora
quero chorar meus mortos
sem temor sem demora

Do livro OUTRAS PROFANAS, 1998, Oficina Cadernos de Poesia.

DIS(QUE)ABAFO
SERGIO GERÔNIMO

Estou no centro
360 graus de horizonte azul
verde, vermelho, branco
coral
tonteiamminhasnuvens
tentandotatearalguém
ninguém, multidão, quem
algo(z)
abro os braços
abraço o ar
o mar, o lar, um par
rodo
estou no centro
atento há tanto
e no entanto
há marasmo
há mesmice
há calmaria
(há)marias demais
a minha própria
arma ou ilha
minha inconfessável armadilha

Do livronline ENFIM AFINS, 1999, Oficina Cadernos de Poesia.

CAMINHO DE SANTIAGO
SERGIO GERÔNIMO

de mefisto me visto
de nefasto me faço: fausto
falso fauno

Em cantos o claustro clama
uma pauta irreverente
tal-e-qual cigarra guitarra serpente
e ecoa reza clerical
integrando na flamenca sensual
um nostálgico ritual de trejeitos
efeitos dançantes e espiriláceos
rubiáceos cristais da carmim criatura
criando nas alturas das astúrias
astuto esbelto caminho
ninho de calcanhares e impacientes soluços
peregrinando dos pirineus oriente
às costas do proeminente finisterra
o mais ocidente intruso a mergulhar
no tenebroso mar desconhecido
um bramido que o chicoteia e umedece
e é cabaça e conchas e cajado
nessa espinha setentrional
que eu-cavaleiro de compostela
cautela  desses andarilhos
pagem sou imortal

e assim me desfaço de mefisto
com que me visto
e me disfarço em sensato
do fausto de que me afasto
falso fauno

Do livro PANínsula, 2002, Oficina Editores.

SEXOLFATO
SERGIO GERÔNIMO

Abram a porta!
deixem-me entrar!     
à noite
o cheiro de fêmeas & machos
me atrai mucho más
sou animal sexolfato

meu sexo se dilata & me delata
me expõe às todas as luas
em cada hidrante escarlate
em cada balcão bacante

em todas as mãos
sou contramão!
inverto o verso
perverto o inverso & sou teu servo

quero sentir o aroma
em tuas calcinhas
trancinhas de pentelhos
se forem cuecas de cetim
xeque-mate de pura sedação
sedução entre
seios & coxas
bundas & peitos
falas & falos
todos & todas

quero narinas sentinelas
espreitando tuas entradas...
& saídas escorregadias
sandalus, eucaliptus, opium
oxigenando orgasmo & esperma
ei! espera...
abra a porta...
abra a boca...
abra, abra!
abracadabra...
abra as tuas pernas

Do livro, CODIGO DE BARRAS, 2007, Oficina Editores.

BELAUM
SERGIO GERÔNIMO

encontrei belabun em uma segunda-feira
olhos de corisco
sentinela armada de artifícios
em um banco de versos
adereços entre sons e aromas
descreve círculos de hieróglifos

dô? nundô?
dô? nundô?

faíscas metafóricas
de uma redondilha maior
trovadores cruzando-se
em um shopping de olhares
descreve círculos de hieróglifos

dô? nundô?
dô? nundô?

um poema descontroladamente
livre
sem pudor
sem regras
sem meias sentenças
branco
e descreve círculos de hieróglifos

dô! nundô!
dô! nundô!

belabun puro desejo
belabun pura poesia

belaun?
desejo em poesia
e descreve círculos de hieróglifos

dô... nundô...
dô... nundô...

dô... nundô...
dô... nundô...

e pisca letrinhas entre estrofes

Do livro, BELABUN, 2007, Oficina Editores.

TRIGO DA TRIBO
SERGIO GERÔNIMO

Sou trigo da tribo, mas minha turma é outra
E a poesia é pura teimosia

Por atacado e no varejo, por encomenda de gregos
Ou purpúrea inspiração, trevo de 4 folhas
Arruda & guiné, sem temer trovões, trevas
Travas, trapaças, conchavos com chaves – intrigas
Sou trigo da tribo, mas minha turma...
É a pura teimosia
Invadindo o metrô, camelô da fala
De gala o teatro da língua rolante
Noz-moscada de emboscadas em bares
Tratorias, cafés da inveja
(me dá um tempo!)
Sou trigo da tribo, mas... é teimosia
Em esquinas de contínuos cantos relâmpagos
Camaleões-vampiros & hidras
Hidrantes de colírio ou pimenta desse reino
A voz da vez do reverso do invés
Sou trigo...poesia pura
Enfrentando cervantes moinhos relapsos
Instantâneos de alguma magia feitiçaria
Professando rezadeiras musas-calíopes
Em letras de abecedário sacro-pagão

Você sabe, eu sou também dessa tribo
Mas minha turma, com certeza, é outra

Do livro-agenda personalizada GEMINI, 2008, Oficina Editores.

POESIA É...
SERGIO GERÔNIMO
(à Olga Savary)

Outro dia me chegou um poema
de salto alto com adereços sutis
endereço de internauta
um quê de colegial
disse baixinho em um hálito
brisa de outono sua identidade...

sou poesia feminina

tentei afastar tal companhia atrevida
continuou pé-ante-pé no meu pé
me fez bailarino de linhas tingidas de grafite
às 3 da manhã não satisfeito
tocou fogo em meus pensamentos
me fez diurnos os sonhos

levitei meio torto entre os gêneros
que a mim se apresentavam
um poema que se dizia feminino
batia incessantemente com sua voz
em minhas ideias um quanto
radicais e colocou em semitons

minhas raízes vernaculares

ele, o poema – gênero masculino
(coisa que só os léxicos entendem)
sabendo-se ser feminina ou seria feminino
mas, a palavra feminino é masculina: o feminino
ou será masculino?
esquisito, não?

este poema de salto alto
roubou-me as horas madrugadas
fez-se companhia, como já disse, atrevida
e com dedos ágeis de tudo sei
preencheu o vazio até então
conhecido das minhas entrelinhas

escreveu que voltaria

no espelho da minha vontade
deixou embaçado ou embaçada
os embasamentos latinos da minha língua
não contente com a contenda
sem desfecho fiz-me estátua de rodin
e atônito indagador (cinderelamente)
com o saltinho alto de cristal entre as mãos
questionei à poesia
quando ele voltará, mesmo?
ela disse baixinho: quem sabe?
no próximo hálito
brisa de outono
quem sabe?

Do livro, CONVERSA PROIBIDA, 2009, Oficina Editores.

COXAS DE CETIM
SERGIO GERÔNIMO

sugo tua nuca seca
subo nas tuas ancas santas
sumo nas tuas coxas
desarrumo todas as colchas
de cetim
mas, de certo, só o deserto
da cama
e a escama saída
da minha marota manobra
que se amarrota na mesma
rota-peixe
e sinta...
e deixe...
o sulco na tua nuca
que desarruma tuas ancas luciferanas
não mais secas as colchas
sumo, uma vez mais, nas tuas coxas
de cetim
  
Do livro, COXAS DE CETIM, 2ª edição, 2010, Oficina Editores.

VOTO SIM VOTO NÃO
SERGIO GERÔNIMO

houve um tempo de discórdia
e os pares tornaram-se ímpares
só pelo gosto de serem protesto
mas o texto não convenceu
voto sim  voto não
comovido com a impaciência alheia
o povo já cansado desconfiou
do jogo classe a versus classe b
zona tal versus zona total
elite não era só gafieira
voto sim voto não
o asfalto subiu o morro
com ares de salvação
e dos teleféricos armados
mil siglas sibilaram promessas
é sempre na primavera
que todas as primas e primos
se candidatam a cordeirinhos
voto sim voto não
formigas e cigarras
coelhos e jabutis
tubarões e urubus
a fauna em polvorosa
canta suas virtudes
chova ou faça sol
sou obrigado pelo TRE
voto sim voto não
um dia a minha porcentagem
será contagiante
não volto de pasárgada
o rei não deixou
voto sim voto não
não volto não

Do livro, URBANOSEMCAUSA, 2012, Oficina Editores.

Um comentário:

  1. Sérgio: grande poeta! Cativa, incita. Deixa-nos tontos. Parabéns pela força de seus versos.

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