segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

MOZART CARVALHO


Mozart Carvalho

Professor de Língua Portuguesa/Produção

Textual/Literatura/Inglês/Literaturas Americana e Inglesa. Especialista em Língua Latina. Membro do Grupo de Estudo de Línguas Clássicas e Orientais (LECO)/UERJ. Poeta carioca, ensaísta, ilustrador, tradutor. Atual vice-presidente da APPERJ. Membro do PEN Clube do Brasil, da UBE/RJ e da ACLAL (Portugal). Membro do Conselho Editorial da OFICINA Editores. Publicou dois livros infantis: O Cervo e o Lago e A Raposa e a Cegonha, sendo este roteirizado para teatro. No prelo: peloavesso (poesia). Em 2011, a convite do Nassau Community College/New York State University, esteve em New York/USA, onde proferiu palestra sobre “Construction, Work and Poetry” & “APPERJ in the Modern Literary Process”. Apresentou a performance de poesia interativa UrbanosEmCausa, junto ao poeta Sérgio Gerônimo a convite do Brazilian Endowent for the Arts New York/USA, também, em Viena, a convite do PEN Club da Áustria lançou UrbanosEmCausa o livro e performance. Tem poemas publicados e vertidos em inglês, espanhol, francês. Participante ativo do circuito de poesia contemporânea.

OUTONOS
Mozart Carvalho

as letras brincam.
o papel amarelado
revigora-se. meu tempo
vai. uma pequena
história aqui, um lápis
ali. o espaço é tempo
escrito no infinito. as
mãos enrugadas, as
unhas encardidas... um
homem jovem
envelhece em mim.
a janela soprou fria
sobre a neve azul.
não vejo mais solitárias
manhãs. o mundo
preenche surpresas.
semeia inesperados
frutos. os galhos são
troncos de folhas
sempre verdes. todas
resgatam os meus outonos.
o sorriso criança baila
em um balanço vazio.
um suspiro de olhos
cerrados. um começo
para o meu terno fim.

RENASCER
Mozart Carvalho

são as horas
que tiquetaqueiam as manhãs
o tempo voa
como ave de rapina
implacáveis
nas verdes campinas
ventos brandos
sopram friamente sobre o peito.
na soleira
o hálito fúlgido do sol
dobram e quebram-se como vidro
areia revolta
no fundo das águas
explodem nos poros
um susto...
um bem-vindo surdo
silenciando fortes trancas e ferrolhos
os olhos mágicos
são cegos
tudo é tão frágil
rígidos dormentes
espraiam-se em pó
nada sustenta mais a solidão
o corpo relaxa
nas curvas das costas do ancião
a madeira da cadeira de balanço
permanece ziguezagueando
sob os pés da mesa
a casa...
o velho corpo
e os sinos dobram
no equilíbrio das ondas do tempo
comemorando solitariamente
o renascer...

SENSIBILIDADE
Mozart Carvalho

sabe.
muitas vezes estava do seu lado
mas não me via
muitas vezes senti seu perfume
na beira de minha cama
e sorria.
nunca estive tão certo
de sua presença
quando percebia
sua ausência
hoje cresci
vi seus brancos cabelos
misturarem aos meus
seus traços fortes
enrugarem no meu rosto
somos tão iguais
nas lutas
nos desejos solitários
nas ilusões infantis
nas mãos que nunca nos afagaram
sabe.
são áridas de indiferenças
nos individualizamos
precipitamos o afastamento
para promover um único encontro
a morte
e assim seremos
o que sempre fomos
nada
um para o outro.

AINDA
Mozart Carvalho

o sono atravessa o sonho
num sutil movimento
vontades – pontes na imaginação
ruínas infinitas
prelúdio de imagens – unção
como construir a vida
unindo na amarga argamassa
cacos, fracassos, desejos (?)
nem que seja
ainda

NU
Mozart Carvalho

nu repouso
um tempo dividido
os traços calmos do artista
ao redor de seu corpo
seja somente a linha
que vele a parte
com arte
o meu sonho

nu
repouso
em um tempo
avulso
nos braços calmos
do artista
ao enlaçar o corpo
que somente a linha
seja
e esconda a parte
com arte
do sonho

MUNDO-CÃO
Mozart Carvalho

ao fazer girar a fechadura
minha mão cálida de surpresa
faz voltar o tempo – o fim
a fera que elimina o futuro
observa o eterno e simples
concede a estampa do momento
que, também, observa a memória
a cor finita das estações
cujo passo ignoro
perpetua a certeza do que vejo
um desejo, sempre, de estar à frente
esse muro criado na fantasia
o fim do mundo é alegoria
de convexas grades e palacetes internos
nem o inferno, nem o céu reconhecem
nossos dias seguirão
para qualquer pesadelo ou profecia
das noites ou dias
sóis e luas sucessivamente despertarão
morrendo e nascendo
em nosso mundo-cão



CALABOUÇO
Mozart Carvalho

a vasta noite
alonga-se
por rasas horas
a seringa
pronta na reta
a agulha na ponta
é alvo envenenado
tudo já fugiu
as almas escorrem
nos calabouço das auroras
sonhos que esqueci
calam as cordas
os sons
dedilham no fio
o limite que alucina
as lembranças que sãs;
as lâminas que suturam
devoram a carne engelhada
o deserto ensurdece
o desespero
ociosa espada
lanceia vísceras
batalhas travadas
odioso recomeço

o homem cai
a mulher perece
a criança aspira

as garras crescem
sob a lua maldita
somos envenenados
de fatos, sombras e medos
o ocaso ─  abreviado pelas horas
amaldiçoa ─ o nosso próprio fim.
ARROUBOS
Mozart Carvalho

por vezes
Eric Satie invade meus sentidos
divago sobre os acordes
notas de cada melodia
cruzam, abusam
- morte
e depois
ressuscitam rusticamente
das minhas entranhas
a música sobrevive o presente
uma abdução passageira
retalho-me em paisagens
não existe um lugar
a dor é silenciosa
incapaz de capacitar à cura
devoro-me delicadamente
enredando em um novelo de lã
tomo a agulha
a linha
costuro tramas interiores
nós apertados desfazem-se
rompem-se portas
o som invade o quarto
expulsa lentamente
os bárbaros,
solitários arroubos
um surto generoso
a sustenta o dizer
a minha loucura de estar
aqui sem mim.

PELO AVESSO
Mozart Carvalho

o jogo falso
das línguas-tempestades
estremece a face
eriçado o pelo
repulsa
avesso aos ares
gélidos, nórdicos
pálidos de lucidez
embustes
o que sustém
perde-se nas vias
narinas sem fôlego
a sede seca
o couro rígido
a pele - pele fria
tece a trama
revestimento perfeito
para todo malfeito
os cílios se sacodem
num frenético piscar
procuram um e outro
solitário - quem sabe?
ainda resta rastejar...
é casca tênue
de cobra vil
nos tatos vácuos
............................
dentro de si
o mesmo covil
a impulsionar.

AMANTES
Mozart Carvalho

Sei que a vida ilumina
alguns amores e futuros...

recuo –me ao ninho
preenchendo de carinho

foi assim tua presença:
meu olhar sozinho
o alvo, o desejo, o prazer
sempre companheiros...

mas tu, amado, dispões
da urna sobre o sol e mar
um retorno silencioso
ao nascer, viver, morrer.

Um comentário:

  1. A saciedade veste meu espírito quando mergulho em tua poesia...Moazart Carvalho.

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