O GOSTO
DAS ALMAS
LUCIANA
MONTECHIARI
Gosto de
xícaras
Gosto de
xícaras brancas
Com
beiradas bordadas de jasmim
Que
abrigam o chá de almas
Fluído
das lágrimas, mares de sal.
Xícaras
brancas com beiradas de rosas
Que
envolvem o conteúdo
Do calor
de almas que se abraçam
Gosto do
silêncio das xícaras brancas
E do
calor saltam dançarinas
O bordado
de jasmim sorri.
O chá das
almas exala fadas brancas, diáfanas
Que
dançam no ar por segundos e morrem
Espalhando
o perfume das frutas e das flores.
DESEJO
LUCIANA
MONTECHIARI
Venha,
que esse corpo é tua casa
Tua
morada de orquídeas
Tua morte
e solidão
Há
querubins se rindo dessa patifaria
Dessa
mistura de língua
Onde
saliva se torna perfume
Venha e
adormeça meu sono
As
estações correrão sucessivas
E esse lugar
se perderá através do espelho
Em meio à
nudez da fusão.
TRIGO
FÊNIX
LUCIANA
MONTECHIARI
Por esses
imensos trigais
Insetos,
dores, partos e partidas
Ziguezagueiam
– correntes de ar
A semente
amarelada esmigalhada
Morre
semente e renasce pão
Esse trigo
fênix
Trigo
parto,
Trigo
partido,
Trigo
sangue, filho da puta – filho da dor.
E no meu
peito
Esses
imensos trigais se entrelaçam
Vida e
morte, Luciana
Se
cumprimentam e se abraçam
Esmigalhado
o trigo, filho do teu eu
Que sai
do teu chão adubado
E se doa
para a morte – alimento
É preciso
seguir
Com
dores, horrores e Iraques
Romper a
placenta, ser o pão.
Morte e
vida.
E no meu
peito, esses imensos trigais.
SEM SONO
LUCIANA
MONTECHIARI
Quando
criança
O avô me
levou ao morro verde
E lá,
numa caixa cimento – ossada de cabrito
Essência
branca
Fedor da
morte
E eu não
consegui dormir.
Quando
criança
A avó me
levou ao cemitério
Covas
abertas, a dura terra adubo
“estão
vazias, porque Deus os levou aos céus”
A solidão
dos buracos, a leveza dos corpos
E eu não
consegui dormir.
Adulta,
penso na escuridão do ventre barro
Nessa
desolação de carnes – suprema e querida mudança
E eu não
consigo dormir.
SONO
LUCIANA
MONTECHIARI
(A Manuel
Bandeira)
É tempo
de chorar aqueles que dormem
De bordar
tecidos, de reunião
Digo que
chegou o tempo de chorar
Suspiros,
profundas respirações, troca de fluídos
É tempo
de juntar cílios, línguas, pernas
É tempo
de chorar juntos
Temos
direito à nudez, aos ossos, à palha
E é tempo
de chorar nossos mortos
Nossas
mortes, nossa carne
É tempo
de chorar por aqueles
E por
tudo aquilo que dorme
Profundamente.
OLHARES
FLORADA
LUCIANA
MONTECHIARI
Dói olhar
os flamboyants em flor, no verão.
Dói olhar
os flamboyants em flor, no verão, porque são vermelhos.
o sagrado
em um galho, feito fratura exposta
Sangue
seiva escorre, formando poças de sangue flor pelo chão.
mar seiva
tapete
(Nesse
momento, tenho alma árvore raiz fincada. Presa)
Pingos flamboyant
no chão fervura.
Flores
fritas no asfalto, uma tristeza sacrifício
passando
pelo canto do olho.
vermelhidões
reverberam num intenso céu de raios.
Na
soleira das portas, sóis dançam.
Eu saio
raízes; o peito florada, brincadeira de roda.
Eu saio
flor.
De
fininho.
DAGUERREÓTIPO
LUCIANA
MONTECHIARI
Sua
figura esmaece
triste
Ainda
olho a ti através da rede
dessa
fina rede tecido puída
memória
Vou te
perdendo, como em todas às vezes
fugaz
E te
sinto fotografia amarelada
Perdendo
cores, ganhando manchas
No fundo
de alguma gaveta
Do corpo
SALGADA
LUCIANA
MONTECHIARI
I
Filete
muralha - ameaça
represa –
eu tem nome:
chama
inundação
broto
d’água tragédia
II
Pedra –
eu rachadura
frágil
dureza
Pressão
corrente sanguínea
fissura
III
Padre –
eu asperge de água benta
seu calor
e seu dia
com água
salgada nos olhos
Salgada
IV
Sobraram
areias duna
onde
germinam plantículas
tentativa
de flores
água de
mim.
VAMOS QUE
JÁ DEU HORA
LUCIANA
MONTECHIARI
Essa luz
– co – fusco invadindo em tarde tremor
Me diz
que é hora
Essa luz
amarelada invadindo a pele e o peito
Me diz
que é hora
Essa luz
cíclica,
essa luz
que inicia o fim – começo de dia
abrindo
pernas da noite
e
descobrindo o seio mármore da manhã
Me diz
que é hora
É hora de
derramar leite pelo chão
e de se
esparramar pelo assoalho
Leitosamente
É hora de
correr, gritar arranhões,
dizer
espasmos, dançar o medo
Criança
É hora de
fechar a janela,
dar um
adeus simbólico a vida
Chorar
mortes, esperar o calor útero rompimento
Primeiro
choro
É hora,
simplesmente, é hora.
AMANDA
LUCIANA
MONTECHIARI
Olhos
claros de claras pontes
havia um
mundo inteiro entre nós
Isso não
é um poema de amor
com
trovas doces, encantos chocalhos
Vamos
seguir e exumar tudo
o que é
morto nesses campos
Vamos
cantar Elis, Monte, Costa
Isso é
pra dizer que tuas claras pontes me espreitam
Saliva no
seio. Secretas secreções.
Isso é
pra dizer que morto ainda vives
em prosa
e verso. Meu poema ciúme predileto
Amanda.
Ah, meu
amor...
Eu vou te
renascer dentro de mim
Eu vou te
renascer dentro de mim
e fazer
das gotas, cristais.
Dos
outonos, carnavais
E todas
as sementes emudecerão no ventre
essa
terra barro de ninguém
Dos nós,
farei caminhos
Das
cantigas, sedução
Vamos
dançar ao som de Zé Kéti
Salve!
Salve! As rainhas do rádio!
Suas pontes
olhos se ligavam
aos meus
olhos portos.
SÓ
LUCIANA
MONTECHIARI
Dentro
desse peito, cactos.
Dentro
desses ossos, caatinga.
Essa
aridez de duna, esfinge só.
Será que
perdi o trem?
Já deu
hora?
Essa
arbusto seco, essa galho seiva
Falta
fermento nesses campos
A
nascente o olho d´água
Choram
pra dentro da terra – onde ninguém pode ver
Ninguém
sente
Ou fareja
Ou
pressente
A
presença do arbusto só
Morto
Sim, no
talo há seiva
Seiva
como sangue
Sangue
como o pão
Sinto-me
só
Será que
perdi o trem?
Já deu
hora?
DERRAMAMENTO
HUMANO
LUCIANA
MONTECHIARI
Me
derramo
Me
derramo sobre folhas
Sobre
pétalas
Sobre
doces miragens
Me
derramo
Derramo Minh
‘alma
sobre
mentiras
Lençóis
limpos
Estátuas
de sal
Derramo Minh
‘alma
sobre
cortinas abertas
Caminho
de terra molhada
Chuva
fresca
Derramo
meu ser em silêncio
Sofridamente
semeio a solidão
Serenamente
sinto o sol - e derramo.
VERMELHIDÃO
LUCIANA
MONTECHIARI
Flamboyant
vermelho
–
despedaço de verão
Em
calçada tinindo de graus
Olhos
humanos fitam olhos árvore
Salada de
almas:
mistura
de casca de pele
suor,
saliva, solidão
Escorro
palavras, escorres flor
Sangue-seiva
pelos galhos,
sangue
flor pelo chão
Não gosto de analogias poéticas, morro de vontade de mencionar Silvia Plath não direi. Montechieri é a dureza diamantina e a leveza do lírio e o sempre Ouro-pretano. Montechieri trás febra terçã, e também, mas uma esperança de amor em corações: vivos e mumificados. Montechieri será uma poetisa universal, atestam cartas, cristais, intelectos, alinhamento de astros, e o tempo - frio, sem pressa e inexorável. Montechieri não é mais uma promessa: A poetiza já o é. Sam de Mattos
ResponderExcluirSei bem, quando não gosto de uma poesia.
ResponderExcluirSei tão bem quando gosto...
Parabéns Luciana!!!
PS- Adorei a foto tb.
Uly Riber
Só tenho algo a dizer: MARAVILHOSA!!!
ResponderExcluirAdorei!!
ResponderExcluirMaravilhosa poesia,
ResponderExcluirLuciana em si sempre foi um poema, desses que andam, trabalham, sangram, gozam, rimam. Não sou amigo, sou leitor.
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