quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

JORGE VENTURA


http://www.jorgeventura.com.br/
DE ÁGUA PARA VINHO
JORGE VENTURA

Chego a saciar a sede ao beber tua noite.
Vinho tinto e rascante nas lentes da taça!
De alegria e carne exponho a boca cheia.
Todos os teus desejos são minha graça.

Mordo as horas, mastigo o tempo.
Descubro em cada gole o teu segredo.
Não querias um Deus junto a ti para brindar?
Alguém, de entre mitos, escolhido a dedo?

Tintim! Ouço o tilintar de nossos corpos,
volúpias derramadas (tua e minha).
A língua saboreia livre sem tomar fôlego.
Os mágicos prazeres vêm das vinhas.

Uma nova safra nasce neste instante.
Velho moinho em que fui trigo e ora pão,
te dou sustento à luz do deslumbramento.
Apresento o milagre da transformação!

Faço da farra e do amor o meu banquete.
Celebro a vida à mesa farta (uvas e nacos).
Nada mais sagrado, nada mais profano:
o Zé-ninguém de ontem é hoje o teu Baco!

In Coletânea Perfil APPERJ (Oficina Editores, 2005)

CULPA
JORGE VENTURA

Tecido raro
Última moda

Corpo coberto
de pano e culpa

Mentira e classe
Dono da rua

De mais a roupa
De menos o homem

In Antologia Ponte de Versos – 8 Anos (Editora Ibis Libris) – 2008


MARIONETES
JORGE VENTURA

Existe entre nós
um par com duas pontas
Cada qual com dois prós
cada qual com dois contras

Puxa-se uma corda daqui
outra dali
mãos e pernas atrapalham-se
emaranhadas
em movimentos manipulados
sabe Deus por quem

O vaivém dos gonzos
range aos limites estipulados
em meio a trapos  farrapos
e desculpas esfarrapadas

Duas marionetes sem brio
e a relação por um fio

In República dos Poetas - Antologia Poética (Editora Museu da República, 2005)

ORIGAMI
JORGE VENTURA

Quando a ideia me perturba
entre o barulho e o silêncio
tudo é um só contrassenso
Que inocência ou culpa
virá em vão me julgar
neste papel tumular?
Reparto em dobras meus textos,
discursos e manuscritos
(de abismos e de delírios)
nas páginas, palimpsestos

Reparto também a folha
Metade doutra metade
do que é múltiplo e arte
E antes que a ideia se recolha
e a angústia vire bolha
e o papel retorne seda
nas dobraduras das letras
o verso assim se desdobra
Pois toda palavra é obra
pra muito além do poema

In Antologia Poesia do Brasil – Volume 13 (Org: Ademir Bacca) – 2011

RITOS
JORGE VENTURA

desanoitece quando aurora
corujas viram passarinhos.

lençóis crepitam de quereres
ouvem-se urros e sussurros.

descobertas:

paixão é rito de barulhos
amor, de silêncios.

In Revista Literária Plural (Oficina Editores, 2010)

COSTURA
JORGE VENTURA

Para fechar ferida
Agulha e linha
Tua mão à minha
A costurar a vida

In Coletânea Terça ConVerso no Café – 4016 dias de Poesia (Edições Galo Branco, 2010)

IMPLUMES
JORGE VENTURA

em pleno sertão
o inaudível canto
dos anjos (meninos
de pó e poeira)

herdeiros das nuvens,
crentes, sobrevoam
mas sem que saibamos
seus sonhos em sépia

na lira do tempo,
o voo cego e implume

In Faca de Ponta, Fogo de Palha (Oficina Editores, 2012)

EXECUÇÃO
JORGE VENTURA

não se derrama o sangue
sem causa ou vingança
não se escreve à toa
quando se mancha a folha

nem em nome do Pai
tanto pranto se esvai
depressa como a tinta
maldita mágoa à míngua

no branco secular
do papel, a palavra
agoniza e se entrega
às honras do poeta

que, herói ou vilão,
quem dele sabe então,
ergue o sabre, sua pena,
e executa o poema

In Faca de Ponta, Fogo de Palha (Oficina Editores, 2012)

FOSSE A FACA, FOSSE O FOGO
JORGE VENTURA

Fosse a faca com seu brilho de prata
a imagem que se espalha pelo espelho,
mas o que se vê, rebrilha vermelho,
olho d´água de pranto: sangria vasta.

Fosse o leito do rio língua de fogo
a lamber feridas, salvar derrames,
mas o que se sente, já tarde e exangue,
é flagelo da carne, exposta em tocos. 

Fosse um só curso sem corte de lâmina
ou desnível de vida –  lume flúveo,
mas o que se vinga na luta em fluxo
ruma em desonra, desordem e infâmia.

Fosse a força vã de dois afluentes
o encontro de paz entre duas famílias,
mas o que se banha do abraço líquido
corre turva como almas turbulentas.
In Faca de Ponta, Fogo de Palha (Oficina Editores, 2012)

PONTO DE CRUZ
JORGE VENTURA

choro
a erosão
do tempo
traçado
em ravinas

sei do que é
deserto:
o caminho
do homem

a vida é trama
dedicada à seca

entrelaçam-se 
desmandos
desenganos
desenredos

no horizonte
de esperas
o sertão bordado
de mandacarus

escrevo meu rumo
no ponto de  cruz

In Faca de Ponta, Fogo de Palha (Oficina Editores, 2012)

MINI-BIOGRAFIA DE JORGE VENTURA

Jorge Ventura é poeta, ator, jornalista e publicitário. Atualmente, é Diretor de Comunicação Social da APPERJ (Associação Profissional de Poetas no Rio de Janeiro) e do SEERJ (Sindicato dos Escritores do Estado do Rio de Janeiro ). É também Cônsul Poetas Del Mundo (região Recreio dos Bandeirantes/RJ), Membro da SBPA (Sociedade Brasileira dos Poetas Aldravianistas) e Membro da IWA (Associação Internacional de Escritores e Artistas).

Além de performances e encenações poéticas, Jorge Ventura vem atuando nos principais saraus e movimentos culturais do sudeste e sul do Brasil. Publicou quatro livros: Turbilhão de Símbolos (Imprimatur, 2000), Surreal Semelhante (Imprimatur,2003), Sock! Pow! Crash! – 40 anos da série Batman da TV (Estudo Jornalístico | Opera Graphica,  2006) e Faca de Ponta, Fogo de Palha (Oficina Editores, 2012). Premiado em muitos concursos e festivais, como poeta e melhor intérprete, sua poesia está presente em dezenas de antologias, sites, jornais online e portais literários.


15 comentários:

  1. Parabéns pelos belíssimos poemas!!! Obrigada Naldo, por me ter dado a conhecer este excelente poeta seu amigo!Bem -hajam ambos, por nos deliciarem com tão eloquentes e poéticas palavras!! Recebam o meu abraço de amizade!!!!

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    1. Muito obrigado pelas palavras elogiosas ao meu trabalho, Maria. A sua opinião é importante e a sua força um grande incentivo para mim. Fique à vontade para compartilhar com os amigos e poetamigos. Beijos, JV.

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  2. Meus queridos amigos Naldo e Jorge. Este Blog está cada dia mais lindo. Sou fã incondicional do meu amigo Jorge, trabalho com ele em nosso DUO e me sinto privilegiada por conviver com a poesia única deste nosso grande poeta. Obrigada, obrigada, obrigada!
    Eurídice Hespanhol

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    1. Minha grande amiga e excelente poeta, Eurídice Hespanhol, com quem tenho a honra de partilhar um trabalho maravilhoso - o Duo Sem Fronteiras. Obrigado pela força de sempre, querida! Beijos, JV.

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  3. Imponência total nessa foto de olhos de tigre dando bote (rsrsrsr)
    Belos versos, parabens ao blog por estar cada dia mais e mais completo.
    Beijos amigo Jorge Ventura.

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    1. Seu comentário é tão imponente quanto a foto do poeta...rs Brincadeira à parte, querida Kedma, seu depoimento é um privilégio para mim. Obrigado pela força de sempre. Beijão, Jorge Ventura

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  4. Salve Jorge!

    Salve senhor dos versos viscerais,
    de um talento estilístido singular. Salve pela descrição
    de vivências, pegadas, sentimentos que nos fazem querer mais
    mais e mais, tornando sua poética uma doce Ventura!
    Salve, Jorge Ventura!
    com toda admiração,
    Karla Julia

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    1. Nossa, Karlinha, fiquei emocionado! Seu depoimento foi uma verdadeira homenagem. Sinto-me honrado com a sua participação. Beijo carinhoso, Jorge Ventura

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  5. São tantas as habilidades que Jorge Ventura nos oferece, com seu estilo doce e bravo na medida e momento certo. E... Que olhos, hein!
    Sucesso sempre!
    Celi Luz

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    1. Minha querida poetamiga Celi, suas palavras sempre me dão força para seguir adiante. Sou grato pelo carinho, respeito e admiração. Beijão! Jorge Ventura

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  6. Este comentário foi removido pelo autor.

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  7. Este comentário foi removido pelo autor.

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  8. Bonito,seus poemas são belos!
    Beijo grande

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  9. Sandrinha, bonita, sua opinião significa muito para mim. Sinto-me honrado com o seu comentário. Beijão, Jorge Ventura

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