sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

WANDA MONTEIRO


CAIS
Wanda Monteiro

Turva água a tua
Que de teus olhos
Escorre nua

Molha o muro da face tua

Abre-lhe fenda
Funda
Escura

Fina janela para teu subterrâneo Cais

Abismo de teus Ais.

RIO
Wanda Monteiro

I

Mururés adormeciam na negra pele do rio
Nas vitórias
Lótus solitárias sonhavam estrelas
Asas fecharam-se e recolheram-se nos ninhos

O verde já não era só verde
O branco era prata e só se via nos olhos da Lua
Tudo era furta-cor e adormecia no véu da noite

O vento repousava
Por vezes
Ele sussurrava segredo à restinga
Noutras
Ele suspirava encrespando as águas da maré jusante

Silencio  era a voz de tudo
Tudo  era a voz do silencio
E tudo era mistério

Dentro da mata
Uma cantilena pedia chuva
Mas a  nuvem prenhe de rio
Foi passear longe...

Não havia medo
Não havia coragem
Havia mistério

O barro molhado convidou-me pra deitar com ele
A madrugada doce e líquida
Generosamente
Abrigou-me orvalho em seu ventre
O ouro nascente nasceu quente
Abri minhas pálpebras
E vi minha face no espelho...

Quando acordei
Já era Rio.

MÃOS
Wanda Monteiro

Minhas mãos procuram
No escuro
Uma palavra perdida

Minhas mãos movem-se
Às cegas
Nessa busca parida da dúvida bruta

Minhas mãos
Uma palavra
Uma busca
E o breu implacável do Verbo oculto

PALAVRA
Wanda Monteiro

Eu procuro uma Palavra

Eu não quero uma Palavra qualquer
Não quero uma Palavra extinta
Uma Palavra empoeirada guardada em almoxarifado

Eu desejo uma Palavra

Eu não quero uma Palavra híbrida
Que seja infecunda
Que seja poço guardando sombra

Eu preciso de uma Palavra

Eu não quero uma Palavra cega
Que seja mansa
Que seja inerte e inapetente

Eu busco uma Palavra

Uma Palavra Fonte
Olho
E Luz

Uma Palavra Cio

Ávida
E Fecunda

Eu quero uma Palavra Nova
Uma Palavra parida no espanto
Uma Palavra que traga a agudeza de seu efeito

Eu quero uma Palavra Tempo
Insone
Infinda

Uma Palavra .

À ESPERA DE UM POEMA
Wanda Monteiro

Esperei dias e noites pelo Poema

Esperei por Ele no poente
Ele  vinha e acenava
Depois
Escapava no fio do horizonte
Para acenar de novo no nascente

Esperei dias e noites pelo Poema

Por vezes
Sentado na areia
Senti seu cheiro na veia do vento
E no abrigo
Senti que chegava
Escutando a chuva caindo
Cantando no barro da telha

Noutras
Ouvi seu canto na concha que guardava o mar
Ouvi seu rosnar no salto do gato no oco do ar

Esperei dias e noites pelo Poema

Pensei tê-lo visto sorrindo nas mãos pequenas de uma criança
Que corria atrás de uma borboleta

Pensei tê-lo visto chorando nas mãos de pedra de um lavrador


Que semeava a terra trincada agonizando de sede

Esperei dias e noites pelo Poema

Procurei por ele em terras e várzeas
Procurei por ele na solidão do mar
Procurei por ele no silencio do céu

Procurei por ele em todas as estações

Procurei por ele nos quatro pontos cardeais

Mas
Ele estava lá
Quieto!
No negro espelho d’água do poço de pedra

Ele estava lá
Guardando tudo o que eu vi e o que eu não vi
Na eternidade.

BICHO ESTRANHO
Wanda Monteiro

Sou um Bicho estranho
Sem tempo ou geografia
Morrendo a cada instante por aqui e por ali

Saio de Mim
Mundiando-me
Periférico e circundante
Para olhar-me Centro
Ausente de Mim

Disperso-me em coisas
Em bichos
Em pessoas
Em esquinas
Em rios

Me morro para achar-me vivo

Quem Eu sou?

Já me perdi faz tempo.

TEIA
Wanda Monteiro

Do que padece essa gente
Que arde febril de culpa
Que guarda em silêncio a dúvida
E caminha no desamparo de respostas?

Do que vive essa gente
Que não enxerga a poesia  do  peixe
Que não compreende a inquietude da flor
E rejeita o beijo da dor?

Com que sonha essa gente
Que não ouve o oco vivo da rocha
Que não aceita a fecundidade do delírio
E não sabe do propósito da asa?

Quem sabe dizer dessa gente
Que se arma em teia movente de gente
Que se entrega à desumana trama de não se saber vivente

Nasce
Vive
Morre
Despossuída
No vago do poço de si.

ESCOMBROS
Wanda Monteiro

A madrugada
Já não me é mais doce
A madrugada
Já não me é mais morna
A madrugada
Já não me afaga como brisa
A madrugada
Gélida
Singra–me
Vara-me
Parte-me
Deixando-me em ruínas
A madrugada
Já não me é contemplação
A madrugada
Agora
Contempla meus escombros.

AMBIVALÊNCIA
Wanda Monteiro

Responde-me!
Por quê?

Não me arrancas dessa terra híbrida
Densa de inutilidades
Onde padeço
Dispersa
Ambivalente. 
Nem homem
Nem mulher
Onde adoeço
Indefinida
Incógnita
Combalida por não me saber
Soterrada de impossibilidades

Responde-me!
Por quê?
Não me plantas em teu solo
Fértil de desejo
Denso de possibilidades

Quem sabe,
Ainda possa nascer
O
Resto
De
Mim

NINHO DE RESPOSTAS
Wanda Monteiro

Olho para ti
Tão vago
Tão ávido
Tão ninho de respostas
Não sei o que pousar sobre o teu angustiante branco.
O que queres de mim
?
O que
Desse mundo
Devo salvar para te ofertar como resposta?

NAUFRÁGIO
Wanda Monteiro

Meu desejo de ti
Submerge

Tudo é sede e fome
Dentes trincados
Por fruto proibido

Tudo é palavra
Calada nos lábios
Abafada
Voz abortada no ventre

Tudo é grito
Do que não disseram os gestos
Os olhares ausentes
Os gestos extintos

Tudo é dor
Que sangra no fio da carne
Ávida do beijo
Estancado na boca

Tudo é som
Desmedido pulsar
Sonora matéria que infere e fere
Um coração que chove água e sal

Tudo é Abismo
Dor escavada no peito
Coberta com migalhas de afeto
Misericordioso respeito

Tudo é segredo
Desvelado
Descortinado
Revelado

Tudo é Naufrágio

Mergulho cego
Fúria de marés
Embriaguez turva de quase amor

Meu desejo de Ti
É Naufrágio.


Um comentário:

  1. meu caro e raro amigo .. meu poeta ..tenho grande admiração por ti ..por tua poesia ..por tua escritura..por teu verbo.. e por tua humaníssima existência.

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