AUTOBIOGRAFIA
Definir
as partes que me cabem
seria
mais simples não fosse
a mania
de perseverar metas
polir o
objetivo
queimar
incensos
consultar
oráculos
além de
limpar espaços
para o
novo que desejo
lançar os
dados sobre a cama
e sorrir
a sorte
é o que
faço
a cada
noite que a vida me presenteia
o dia é o
dia
luz
reveladora
sobre o
mistério da escuridão
o desnudo
poderá me interessar
e daí
traço o a seguir
o que me
pacificará os sentidos
me gosto
assim:
água da
fonte
pedra na
estrada
caminho
de rio
leito
fundo escavado habitado
clareza e
enigma
montanha
e vales
flor de
cacto
olhos de
águia
lágrimas
e sorrisos
obstinação
e delicadeza
sol e
chuva
terra e
sal
meu
melhor diálogo é comigo mesma
é nas
pausas dos argumentos
que
alcanço as respostas que preciso
o delírio
e a lucidez são antagonistas
nesta
peça que sou atriz principal
e se às
vezes derivo à loucura
é por
puro deleite
já que
vibro o delirante
coisa de
alma
prefiro o
salgado ao doce
o tépido
ao gelado
chás
perfumados me seduzem
adoro
frango com gengibre
morango
amora chocolate
persisto
o sanhaço
o
gafanhoto do Imperador
o louco
do tarô
o
vermelho e o negro
o voo do
besouro
Neruda e
Guimarães
o monge
no Tibet
Anas
Carolinas
Pedros
Juniores
Marias
Josés
o êxtase
de Tereza
a Mulher
Vestida de Sol
Seu Filho
Ascenso
o Dalai
Lama
o I Ching
o Tantra
o Buda
o Tao
me gosto
assim:
paz e
perigo
coração
dançante
luas de
Vênus
palavras
dissonantes
desespero
e contrição
trovões à
meia-noite
amor ao
meio-dia
languidez
e tensão
preguiça
e correria
compulsão
e teimosia
tempestade
e mansidão.
BAMBUZAL
(a José
Leite)
O
bambuzal dança no sul
porque a
divindade está no sopro
indicando
o caminho
fecho a
porta e rumo ao norte
em busca
de mim
vou
trançar os dedos
nas
raízes de meu pai
fincar o
estandarte vermelho
na fenda
das minhas dores
desaguar
minhas vergonhas de sulista
cavar a
terra com as mãos de José
para ver
brotar o açude mágico
que
matará minha sede de justiça
correr
entre os pés de mandioca braba
pintar
meu rosto com o pó da terra
olhar o
mundo com os olhos d’água de Joana
para
melhor entender os homens
deitar na
caatinga
banhar
meu ventre no luar do sertão
reparir
meus filhos
e
crescer.
VESTIDO
VERMELHO
É preciso
sobreviver à carne
reforçar
as doces lembranças
resgatar
a alma do limbo
viver –
no abraço do homem ocasional
todos os
delírios amorosos já escritos
reverenciar
os gozos
desobstruir
a veia que os alimenta
fazer
jorrar a fonte dos desejos
não
respirar pausas ou arrependimentos
nem
alternativas ao que se completou
dissecar
os retrocessos
desistir
de reencarnações
tocar a
vida como se única
apostar
no momento
criar um
mantra delicado
(repeti-lo
ao pé do próprio ouvido
nas
noites sem amante)
alongar
os músculos da pélvis
exercitar
os gemidos noturnos
(para as
próximas viagens)
deixar
crescer os cabelos
às mãos
do amor seguinte
não
recusar eventuais parceiros de sonhos
acreditar
que a lua brilha só por você
e que o
sol aguarda ansioso sua vez
aceitar o
ombro que se oferece
chorar a
lágrima da adolescência
sorrir a
piada da vida
escolher
a fantasia de colombina
beijar o
arlequim e o pierrô
autopsiar
os medos
ser
mórbida e obscura
para
seduzir os complicados
lúcida e
equilibrada
para os
analisados
comprar
uma manta de lã
para as
tardes frias das carências
escalar a
montanha do tempo
- leve
como quem dança -
e ousar –
sempre - um vestido vermelho
no final
de um poema.
DAS
MORTES
V I
dar-se
conta, de repente
numa
tarde de sol
que a
vida é curta
dói o
olhar nas nuvens
vem a
vontade de reter
o azul do
céu nas retinas
o voo das
andorinhas
o vento
no rosto
a
borboleta na flor
o sabiá
da manhã
se morrer
pudesse ser
como nos
romances
nos
braços do amante
do amigo
visão de
anjos
sinos
tocando
mão de
Deus te afagando
som de
palavra na alma
hora
marcada
a morte
poderia até ser sentida
como vida
se pudesse...
LEVE É O PASSO DE QUEM AMA
leve é o
passo de quem ama
mesmo na
noite solitária
a alma
sem limites voa
livre é o
pensamento de quem ama
como o
som dos pássaros
que beija
o outono na vidraça
denso é o
poema de quem ama
forte cheio
rouco como mastro
que
segura - sem prender - a vela
que
navega o barco rumo ao porto
leve é o
passo de quem ama
pois quem
ama vive segue sonha
inocente
como quem nasce.
EPITÁFIO
aqui jaz
Márcia Leite
a que
viveu inutilidades
conversava
com abelhas
e
conhecia (pelo nome)
todas as
andorinhas
de final
de tarde.
(em
Versos Descarados, Oficina dos Editores)
INSETOS
O poeta é
um louva-deus nos campos da humanidade; nunca um gafanhoto!
Márcia
Leite
Parabéns pelos belos versos!
ResponderExcluirParabéns, Naldo, pelo espaço!
Obrigada Rosangela pelo comentário!
ResponderExcluirQuerido Naldo Velho, a delicadeza de nos divulgar assim bonito é a cara da tua grandiosa alma poética. Obrigada, amigo, por seres do jeitinho que és. Um beijo.