sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

JANAINA DA CUNHA


METAMORFOSE
Janaina da Cunha

Meus desejos seguem em reticências num espiral de agonia.
Sou uma metamorfose de minhas incógnitas...
Uma mutação desordenada de conjecturas filosóficas.

Para que viver se não existo
na complexidade de uma mulher livre?

No ultimo suspiro de condenação da minha obscuridade
sigo por caminhos tortuosos
em direção ao cadafalso de minha consciência.

Pressinto a sombra de demônios
que sedutoramente me cobiçam.
Tenho a sensação de que nada pode me salvar...
Numa tentativa desesperada,
pego um papel e uma caneta para expurgar os fantasmas
que habitam no abismo do meu ser.

Olhos conhecidos me denunciam...
Bocas amigas me julgam...
Ninguém conhece as cicatrizes que carrego na alma
e nem imagina a luta incessante que enfrento
toda vez ao me ver no espelho.

Quem é essa imagem refletida?
Quem realmente eu sou?

Sobrevivo num redemoinho de emoções...
Vivo numa confusão feroz de sentimentos...
mas sigo em frente!
Sigo em frente na contramão do ser e do querer.
Sigo em frente na contradição da prática e da teoria.

Minha vontade firme de expandir-me
ao encontro dos meus sonhos
é muito maior do que a fraqueza
antropológica que me persegue!
Estou cansada de ser uma caricatura de mim mesma
esperando a original sair do casulo.
Ainda sou larva em transformação moral.

Salve, salve *Beauvoir!
Se tu conseguistes... também conseguirei!

* Simone de Beauvoir: escritora, filósofa existencialista e feminista francesa. Escreveu romances, monografias sobre filosofia, política, sociedade, ensaios, biografias e uma autobiografia. Companheira de Jean-Paul Sartre.

HORAS MORTAS
Janaína da Cunha

Minha alma desliza no branco do papel
versos noturnos e solitários.
A insônia acorda meu sono em busca
de suprimentos para o vazio que me devora.
Sinto um abismo incoerente em meus pensamentos
que me distancia da mulher que sou
e daquela que desejo ser.

Tenho sede de vida... fome de mundo!
Sou poeta...
sou uma fonte inesgotável de sentimentos.
Nestas horas mortas que me perseguem
entrego-me aos desejos mais profanos e,
ao mesmo tempo,
tão diáfanos!

O que fazer?
Não me contento com pouco
porque tenho um universo dentro de mim.
Posso ter o direito de sucumbir às veleidades
que me enlaçam
num devaneio louco de mulher comum?
Não! Eu sou poeta!

Pouco a pouco encontro em mim
os murmúrios de poesia que
vão criando as formas mais imagináveis.
Não, não... não! Eu quero mais!
Não me contento com palavras vazias...
quero mais, muito mais!
Ambiciono a MAIS poluidora das inspirações,
a arte MAIS libertadora,
o encontro MAIS improvável de céu e inferno.
Sim! Mais... sempre MAIS!

A madrugada faz do meu quarto
um túmulo mundano
com janelas emperradas
e cadeados enferrujados.
Lá fora a lua presencia meu velório poético
enquanto o vento sincroniza
a marcha fúnebre da madrugada.
As horas seguem o enterro das estrelas
que choram a solidão de meus versos.
Ah! Destino contraditório de um poeta que caminha involuntariamente entre a benção e a maldição.

O galo, atrevidamente, anuncia o despertar do sol...
Porém, dentro de mim, a escuridão ainda persiste.

Morro em cada ponto final,
mas revivo na ilusão de um novo parágrafo.

GRITO DO SILÊNCIO
Janaína da Cunha

A música desafinou
e a poesia afogou seus versos
num copo de dor.
As verdades se estranharam...
cada uma na realidade do seu olhar interior.
E o que é verdade?
Sim, eu acreditei e ainda acredito... em mim!
Sei quem sou e isso me basta.
Eu sou meu pára-raio.
Sou minha chuva, meu sol
e meu próprio caminho.
Esperei atitudes certas que se calaram
na contradição do verbo.
O que dizer?
Nada.
Ninguém vai ouvir.
Quando as palavras calam, o silêncio grita.

VERDADES
Janaína da Cunha

Cansei.
Não quero mais viver mentiras.
Mentiras ricas de grinaldas e cetim.
Não quero estar coberta de vidros
na ilusão que são diamantes.

Quero verdades sinceras,
sentir a dor de um espinho
e me encantar com a beleza da rosa.
Perder o fôlego num beijo louco
e entregar meus desejos de fêmea
no breu misterioso da paixão.

Quero verdades intensas, singelas,
discretas, escandalosas,
santas... pecadoras,
bonitas e feias.
Quero a verdade mais verdadeira!

Dançar descalça acompanhada da chuva,
deitar no chão molhado
e me embriagar de vida!

Para quê cobiçar a lua
se o céu inteiro me espera?

CORPO NU
Janaína da Cunha

Encontrei o corpo nu
de meus versos
deitado imoral
no berço das inspirações.

Encontrei o corpo nu
de meus versos
incógnito
disfarçado no sujeito oculto das orações.

Encontrei o corpo nu
de meus versos
nas rimas desencontradas
nas palavras soltas
simbióticas
a bailar no céu da boca.

Encontrei o corpo nu
de meus versos
desesperado
louco para ser encontrado
revelado
numa masturbação visceral
explodindo em orgasmo do Ser
prazer de Ser
o Ser...
VERBO!

A PERDA DA INOCÊNCIA
(ao meu pai Euclydes R. da Cunha Neto)
Janaína da Cunha

Eu vi um pássaro cantando no túmulo de um pai.
Vi as lágrimas de uma mulher e a inocência de uma criança.
Eu vi a amargura de uma mãe no fim do mês.
Vi a panela vazia no fogão e a "sujeira" debaixo do tapete.

Também vi a filha de alguém sozinha na multidão,
não pedia nada a ninguém... apenas estava lá.
Observei pessoas passando indiferentes,
apressadas, não viam ninguém... apenas passavam.

Eu vi a perda da inocência.
Vi as promessas de um político e a incredulidade de um povo.
Observei a fome brindando nas esquinas
e a ambição escravizando o coração do tolo.

Eu vi o círculo fechando,
as cenas se encontrando,
a vida repetindo...

Eu vi...

Vi uma menina crescendo,
uma senhora me olhando...
Eu vi a minha imagem no espelho!

CANTO
Janaína da Cunha

Canto promessas insanas ao vento sem saber onde vão cair.
Canto dores sombrias, almas sem rostos
e sentimentos que nunca senti.
Canto no canto do silêncio de quem não tem voz
infinitas palavras para quem não deseja ouvir.

Canto nos quatro cantos
o canto melancólico dos desgraçados,
as faces dos preconceitos camuflados
e a maldade escondida atrás das máscaras.

Ignoro a todo instante os apelos vãos
de quem clama por minha sensatez
e me rebelo contra a imagem distorcida
que vejo diante do espelho.

Quem sou eu?
Quem são vocês?

Não concordo com o canto de quem se engana
que a destruição do mundo é culpa dos canalhas e corruptos.
Mentira... mentira!

A culpa é da omissão de quem se cega,
da surdez de quem finge não escutar
e da boca covarde que se cala diante da indignação.

Levanto minha voz contra a hipocrisia
e o comodismo dos que me cercam e canto!
Sim... eu me atrevo e canto!

Canto as lágrimas dos inocentes,
a angústia da mãe que reza
e o pai que volta pra casa de mãos vazias.

Canto a fome dos miseráveis,
os pesadelos de quem dorme na impunidade
e os demônios deitados em camas ricas
de uma consciência sem lei.

Eu canto mesmo sem saber cantar
porque a pimenta que arde na sua língua
é a poesia que queima em mim!

MERGULHO
Janaína da Cunha

Mergulho
em águas bravias
de misteriosas incertezas.

Mergulho
de olhos vendados,
descobertos...
fechados, abertos...
mergulho.

Banho o corpo dos meus versos
no magnetismo refletido
em outro olhar.
A imagem do verbo
no espelho das águas ocular
atrevidamente me chama...
e eu vou!

Poeta:
misto de benção e maldição!

Por que amamos com tanta intensidade...
com tanta entrega?
Por que nos deixamos levar em ondas de delírios que vem e vão...
que vão e vem...
vem e vão em vão... ou não?!

Porque essa necessidade louca,
quase mórbida,
de ser, sentir...?
Se amar é sofrer...
então, me sinto viva na dor?
Eu quero é ser feliz!

Mergulho em sinônimos
antônimos
antagônicos plurais.

Perco o fôlego, quase morro...
Reavivo no boca-a-boca da vida,
retorno e me corto entre corais...
Sobrevivo.
Insisto!
E novamente mergulho!
Sim... eu mergulho.

A alma de um homem
é o meu Oceano!

A MORDIDA NA MAÇÃ
Janaína da Cunha

Sutil,
chego assim:
sedenta, molhada... um fogo dentro de mim!
A roupa vermelha na pele incendeia.
O desejo é uma mordida
na tua boca de carmim.
Teu corpo tem gosto de fruta proibida,
maçã dos outros,
sabor do pecado
que embriaga...
me excita!

A CAIXA
Janaína da cunha

Essa pele que me veste
rascunha intenções invisíveis.
Meu corpo é uma caixa
onde minha alma exilada se oculta em busca de mim.


5 comentários:

  1. Fatima, fico muito feliz que tenha gostado. Obrigada pelo carinho, minha flor... Gratidão!
    Um beijo!!

    ResponderExcluir
  2. Naldo Velho, querido amigo-poeta,obrigada pelo companheirismo, pela sua arte que nos embriaga de encantamento e pelo lindo ser humano que é.
    Sinto-me orgulhosa e feliz de ser sua amiga.
    GRATIDÃO!!!
    Grande beijo!

    ResponderExcluir
  3. Carlos Orfeu, querido amigo-poeta, obrigada pelo carinho.
    Tamos juntos... somos a mesma estrada!
    Grande beijo!

    ResponderExcluir