sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

IGNEZ SPARAPANNI



ESPERANÇA
Ignez Sparapanni

No açude de hipocrisias
Quero receber a mensagem
De esperança das montanhas;
Admirar a pureza das nuvens;
Perceber a ingenuidade do Caboclo
Ser surda ao vento furioso
Causador do murmúrio das águas;
Ignorar os acordes
De uma brisa compassada...
Para então partilhar
Da alegria dos pássaros


PORTO DAS ILUSÕES
Ignez Sparapanni

Ontem a menina aportou
Para olhar fim de tarde velejante
Despejar seu jeito depois
Jazer junto ao lajeado cais.

(igualzinho a um poema)

E por um momento
A menina desconfiou
Que a vida desmanchava-se ali.
Logo depois
Já em face a face da noite
A menina descobriu seu coração em atalhos
Porque os sonhos primeiros tinham partido
Lépidos
Numa estranha sombra de mar
Todinha estampada de estrelas,
Lua, brancas areias, azaleias

(igualzinho a um poema)

Em seguida
A menina ensaiou um gesto qualquer de tristeza
Ensaiou; mas saiu apenas 
Um gesto qualquer de alegria
Simples sorriso de outono

Bem mais tarde
A manhã veio naufragar brejeira nos olhos da menina
Naquelas poucas águas paradas
De tanta partida e fantasia


CANÇÃO DA ESPERA
Ignez Sparapanni

Sendo a sombra, apalpo o medo
Que sobre mim se resvala.
Para cantar ainda é cedo,
Mas minha voz não se cala

Há noite Espessa lá fora
Nenhum galo ainda canta
Mas brilha em meu peito a aurora
Nasce o sol em minha garganta

SER
Ignez Sparapanni

Queria apenas um momento de imperfeição
Para que cada palavra se tornasse uma nota musical,
Cada sentimento uma cor inimaginável,
E cada pensamento a perfeição marginal entre o coração
E o que não pode ser.

 OS DIAS SE VÃO...
Ignez Sparapanni

Os dias se vão ou NÃO
Perdem-se no tempo como balões no infinito.
Tudo acontece. Próximos ou distantes
Os seres vivem e eu nada sei sobre eles
Em mim ha vagas ideias apenas imagens irreais,
Recursos naturais, incertos e humanos
Os dias se vão, os meus os seus, os nossos... quem sabe...
Talvez se aprendermos a soltar balões,
Quem sabe... Os nossos... quem sabe...

RASGANDO O AZUL
Ignez Sparapanni

Seu rosto carente dança nos meus olhos perdidos!
No bailado das ninfas há a doce incógnita de uma tarde molhada.
Paira no ar o veneno do sulfato
Das rosas esmagadas na calçada, suspiros!
No seu olhar arde uma prece inflamada
No meu, em ritmo alucinante,
Dança uma deusa ferida
Desenha caricias no seu corpo adormecido de gemidos!
Faz-lhe voar como pássaro
Ganhar o universo temido
Num olhar toma-lhe os lábios
E alcança o eterno
Assim, livremente, ensina-o e aprende a amar
E, deposita em suas mãos
O brilho de uma estrela cadente, risos!
Estamos livremente perdidos no azul infinito do céu!
  
NAVEGAR... PRECISEI...
Ignez Sparapanni

Começou a chover. Dia ainda.

De repente o despedaçado coração
Sentiu vontade larga de navegar
Navegar
Na enxurrada lenta que
Calava a voz da rua.

Navegar bonito
No raso dos olhos mais cinzentos
De uma cidade sem poente.

Vai daí,
O coração se arranjou todinho
Dentro de um pequeno barco de papel
E lá se foi...
Enquanto isso,
O magro corpo se molhado
Malemá conseguia se despejar inteiro
No leito das velhas esperanças.

(E, muito menos, na inutilidade do tempo)

BOBA-DA-CORTE
Ignez Sparapanni

Ah, se eu pudesse despedaçar as algemas
E cuspi-las fora de Minha Alma,
Pisar vossas vestes e roçar-vos no rosto
O amargor destes anos cansados de tanto repudio,
Tanger meus dentes em ouvidos serenos
E abrandar vossos risos,
Abafando os soluços
Nas minhas ásperas mãos.
Ah, se eu pudesse burlar-me de vós,
Ostentar a bandeja onde pousa serena e soberbamente
A cabeça de Rei, minha Senhora

PENITÊNCIA
Ignez Sparapanni

O garfo passeia no ar
Mas a visão esta distante
E corre nos campos da infância,
Para onde não há retorno.

Por dentro dos campos fechados
Corações prisioneiros, arame farpado,
Escapas pra não voltar aos dias de ontem,
Janelas onde os olhares não cabem.

Enjoo dos dias infinitos tenebrosos,
Com distrações de mal-assombrados espantos.
A toda hora esquentar de pavores reprimidos,
Reprimir dos encantos, sufocar das esperanças.

Testar toda noite a solidez dos blocos,
A rigidez das pedras no desfio das mãos
E o fugir pelos pátios iluminados de holofotes,
Ao zunir das balas, atingidas ilusões.

Mastigar corretamente os grãos escassos da vida,
Absorvendo do garfo as imagens que escorrem,
Por força da adrenalina ou da angustia sentida
(pois que os bravos nunca morrerão...)

Ver nessas horas que é tempo de voltar,
Antes que as horas marcadas me denunciem
E a vigilância tente me queimar
Por ter chegado após a hora marcada

 GRITO DESARTICULADO
Ignez Sparapanni

Se atentarmos na mirada do satânico
encontraremos lá,
ainda que corrompido,
um anjo no seu maior esplendor.
Assim como em cada garganta
existe a notícia do som,
da mesma forma as ruínas
guardam a raiva e esperam
o seu dia.
Mesmo um grito desarticulado
pode ajudar a amanhecer o mundo


MORRE NÃO, VELHA MÃE!
Ignez Sparapanni

Os dias hoje cravam sua imagem
De baitas cicatrizes.
E em cada verso cansura
O universo de Adorama
Parece mais um berro sangrento;
Sempre escarafunchado pelos
Atalhos e pinguelas
Do seu cotidiano tão caipira

(já se faz difícil beber a tragédia do seu morrê à míngua)

As margens do pensamento perdem-se
Feito as nuvens arcoirizadas,
Que o céu despenca
Pra mode embalar sua infantil velhice.
Aliás, é por isso que
Adorama ainda é uma fotografia
Quase sépia de um tempo
Infinitamente verão

PROSTI-TUTTI-QUANTI
Ignez Sparapanni

Uma Ave-Maria

I
Compreender em cada olhar
a vaga lembrança
de que um dia em comum raiou para todos.
E ninguém prestou atenção

Outra Ave-Maria

II
Suportar a vida sem artifícios ou lamúrias,
continuando a sonhar, convalescente,
que este mundo foi feito de vida.

mais uma Ave-Maria

III
Sentir as migalhas que o tempo deixou
e mordê-las como quem não tem fome
e nada mais a pensar:
Restará ainda um pouco de pão para amanhã?

Pai-Nosso

IV
As Luzes que se acendem e se apagam
são movimentos de almas aflitas
roedoras de esperanças
entre frações de segundos.

Glória

V
Redenção ao escovar os dentes
e cuspir os pecados da noite anterior

Amém

VI
(Meu coração para, mas se engana)

ESTRELAS DA PENUMBRA
Ignez Sparapanni

Quando o dia lança o grito de adeus
e a noite com seu manto negro se aproxima
elas correm a se enfeitar
para mais uma jornada.

Encostadas nas esquinas da vida
são estrelas da penumbra
a piscar para garantir
o ganha-pão-cotidiano.

Cegas para o futuro
morrem com a noite
renovam-se em cada manhã
quando pálida esperança
desponta no horizonte
para apagar a tristeza
de não terem o amor puro
que o destino lhes negou.

CENA MUDA
Ignez Sparapanni

Escrevo poemas, invento cenários
Pintados de tintas frescas, afago
Teus pensamentos em signos fáticos,
Sonhando com atos de amor.
É que, o que penso, nunca falo,
E falo, às vezes, o que não penso.
O que sinto, de fato, tímido
Bate a porta da garganta,
Avisando-te da minha presença.
Abre-me a porta da saudade
E invade esse coração sem pena.
Partistes, sem que nunca houvesse chegado...
Saudades de um amor sonhado.
E com a paciência de quem
Vai tirando a forma do barro,
Nós vamos compondo a nossa precária
E vasta eternidade em cenários e atos
Dessa vida que se faz teatro.

SOLUÇO DERRADEIRO
Ignez Sparapanni

Queria descrever tudo
o que se passa com a alma
quando solitária perambula
por caminho recolhido.

Queria devolver tudo
o que se ganha para a alma
quando voluntária apregoa
um conceito já vivido.

Queria colher tudo
o que se veste pela alma
quando amargurada grita
por amigo conhecido.

Queria esquecer tudo
o que fora, mesmo a alma
quando nome ilustre
lembra dela constrangido.

Queria entender tudo
o que se perde, sem a alma
quando sobra espaço
para ela construído.


BARES DA VIDA
Ignez Sparapanni

Garçom! Por favor...
Dois dedos de prosa
um trago de cachaça
e um pouco de atenção.

Traga-me um pano
e limpe essa dor
espalhada no balcão.

Garçom! Por favor...
Mais duas cachaças,
uma pra mim,
outra pra minha alucinação.

Deixe-me logo a garrafa,
baixe o volume da saudade
ou ao menos mude de estação.

Garçom! Por favor...
Cigarro, isqueiro e cinzeiro,
papel e caneta tinteiro
e bom bocado de inspiração.

Um envelope sem remetente,
e peça água de colônia ao barbeiro
para disfarçar o cheiro desta assombração.

Garçom! Por favor...
Uma canção de Amor
e um bocado de gelo
pra anestesiar meu coração

E traga logo a minha conta
e um prego de pendurar alma
tão maltratada pela paixão.

Garçom! Por favor...
E se eu não vier resgatá-la,
é porque não preciso mais,
use-a para limpar o chão!


3 comentários:

  1. De longe, eu a vi crescendo nas letras...hoje, de perto, confirmei suas letras de poeta, nome de poeta e a carinha de quem tem muito talento para os versos!

    Um beijo, Ignez Sparapanni.

    Damáris Lopes

    ResponderExcluir
  2. Obrigada Damáris querida,mas confesso: Eu desconhecia os segredos,
    que meu coração guardava...
    beijos

    ResponderExcluir
  3. Ignês, sua alma contou segredos que seu coração revelou e agora todos sabemos pela generosidade e sua mente..

    ResponderExcluir