sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

CRISTINA LEBRE


PÁSSARO FUGIDIO
Cristina Lebre

Onde estão suas asas,
para pousarem em meu colo
como o descanso do filhote?
Para se abrirem leves no espaço
Como a saudação dos justos?
para voarem livres num céu límpido
mostrando as direções
do meu horizonte?

Guardou seus sonhos
escondeu seus anseios
trouxe-me pesadelos.

Por que fugiu com esse olhar triste?
para me deixar solta
em longas madrugadas
como a ovelha perdida do pastor?
Para me deixar presa à sua imagem
como fiel devota?
Para me nutrir de conflitos
expondo meus medos e dúvidas?

Fincou cercas ao meu redor,
plantou sementes num solo distante
de onde, mesmo assim,
colho a mágoa e a angústia.

Agora cato seus pedaços
na trilha sórdida em que se transformou meu caminho
no barro úmido onde me lambuzei,
escorreguei cansada e,
a um companheiro pranto,
me entreguei.

A CASA AMARELA
Cristina Lebre

A casa amarela
É feita na pedra.
Na parede da sala
Dela
Tem uma pedra enorme
Uma parede de pedra.
A casa amarela
É fundada na rocha
Que nada quebra,
Nem tempestade, nem peste
Nem praga, nem tocha
De fogo ardente.
A casa amarela não pende
É fundada na rocha.
A casa amarela
Cercada de eras
Beirando as janelas
É ainda mais bela.
Tomada por rosas
E beija-flores
Escondida entre tulipas
E grandes amores
É assim como o mais lindo jardim
A natureza exposta.
A casa amarela
A casa serena
Fundada na rocha
Virou um poema.

BRASA VIVA
Cristina Lebre

O Sol esquenta
Pinta o céu de cores
Amarelo-ocre-magenta

Sua majestade, o Sol
mobiliza almas inquietas
agiliza processos de cura
impulsiona corpos,
em sua direção reta
da Terra ao céu
da estrada sem rumo
ao léu
ao bel-prazer de seus raios
das areias fumegantes
ao seu calor nu, direto
seu véu.

Sol brando de inverno
escaldante de verão
brilha intenso a cada amanhecer
irradia esperança
trança, define
lança energia
contagia.

PERCEPÇÕES
Cristina Lebre

Procuro
no teto ou no chão
a chama da vida
o que me empurra
quem me sussurra
“continua...”

Areia nos olhos
pedras no caminho
vento no rosto;
tudo me tira a visão,
tudo me aponta
solidão.

Escarneço
desfaleço
estremeço
e meu corpo,
sucumbe
balança
vacila
amolece
derrete
procura
o alicerce
no sótão
no porão.

A causa
o efeito
a consequência
a mancha
a chaga
a ofensa
o afeto
a marca
a rocha
a morte.

NAQUELA TARDE
Cristina Lebre

Eu vi Deus naquela tarde
sentado ao nosso lado
naquela mesa de bar.

Eu vi Deus em cada palavra nossa
nos nossos olhos nos olhos
em nossas mãos cruzadas
eu senti Seu pulsar.

Eu vi Deus nos conduzindo
nos protegendo
nos preservando
nos separando.

Eu vi Deus no nosso adeus
Ele estava tão presente
e foi tão lindo
quanto o recordar.

Eu vi Deus em todo o tempo
naquela tarde quente
no fundo do ser da gente
nos dizendo que de repente
O nunca mais é um pouco demais.

Eu o vi
Ele estava à nossa frente,
na perfeição de cada gesto nosso
na beleza das nossas emoções.

No calor daquele abraço
tão gostoso, tão grudento
Ele preparou todo aquele momento
momento prá inspirar
poemas, risos, lágrimas
vida prá se levar.


CASCATA
Cristina Lebre

Vem, poema
vem feito regra
e escorre na pedra
pra eu copiar.

Venham, palavras
certas, claras
venham correndo
pra no silêncio abafado
eu decifrar.

Vem, solidão
eu sou poeta
e quero de ti
consideração
pois preciso de ti
pra compor um refrão
sem interrupção.

Já tomei banho de lua
na praia deserta
e um amor de verão
me viu nua e liberta
da satisfação, da hipocrisia
minh'alma arredia.

Desçam da mente
ao papel, sem motivo aparente
mas desçam, porque sou poeta
e esta é a minha meta
contar o amor
minha mente é inquieta.

Quem faz poesia
não vive, sofre
não dorme, sonha
com a tela vazia
a encher-se de estrofes.

Quem faz poesia
percebe, procura e sente
abre chagas no peito
tem sangue de gente
que morre de amor
mas não cansa de amar.

Segue escrevendo
e sentindo tão fundo
a agonia do mar
que se afasta e se achega
e toca na areia
em ondas sozinhas
constantes, vizinhas.

Quem faz poesia
tem a alma vazia
pra vida comum
que cedo inicia;
mas cruza noites em claro,
a encher o caderno
dos versos mais raros.

TERRA SECA
Cristina Lebre

Na aridez melancólica da minha estrada
aonde ia arrastando, abatida
a poeira dos meus passos,
de vez em quando de via.
Lá, vez por outra, me acordavas,
Sobressaltada,
Num susto gostos de um beijo.
Era bom, mas acabou.

Agora fico a chorar por ti
que foste embora
no suave murmúrio de uma chuva fina
no brotar das lágrimas de hoje
e de outrora.
A cantar à lua cheia de esperança
a  eterna canção da saudade.


O IMPERFEITO DO AMOR
Cristina Lebre

Por todo o momento
não vivido
desperdiçado, despedaçado
perdoa-me.

Por toda a palavra de amor
não dita
economizada, subestimada
perdoa-me.

Por toda a palavra vã proferida
magoada, sentida
bruta, impensada
desculpa-me.

Por todos os erros no amor
por toda a atenção
não dedicada
desleixada, negligente
tem compaixão
coisa de gente.

Por toda a indulgência
por tanta secura
por todo o esquecimento
pela amargura
(erros de criatura)
chora, pranteia, arrepende,
e, sabendo sermos todos não mais que pó,
zera, supera
compreende.


QUANDO O CORAÇÃO AMA
Cristina Lebre

DO LIVRO OLHOS DE LINCE

O coração quando ama
Bate asas feito gaivota
Numa rota linear.
Brisa branda
mergulhos fulminantes
no mar.

O coração quando ama
tem febre
teme o fim;
quase enfarta
por vezes vê-se sozinho
em seu amor que só cresce.

Coitado do coração
sente o corpo que habita
tomado, doado, prostrado
doído de amar.

Às vezes até quer se livrar
quer bailar entre as nuvens
sem pensar.
Quer resgatar
um pouco de si
quase tudo entregue
ao ato de amar.

BITTER TASTE
Cristina Lebre

Acordar é amargo

Num primeiro pensamento
divago
sobre nosso amor
destroçado...

Pisado, humilhado
destruído
em um só segundo
como explosão no universo
como eclosão no centro
do mundo...

Abrir os olhos
é a pior parte do dia
depois tudo vai virando poesia

até a sorte
de difamar
nossas noites de sexo
até o cheiro acre de enxofre
em nossos hálitos cálidos
agudo ardor
até mesmo o batimento lento
da agonia
de nossa morte.

2 comentários:

  1. Ah, que lindo, obrigada, amigão Naldo Velho, companheiro da poesia, poeta maravilhoso! Juntos somos mais, Deus te abençoe, queridão!

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